‘Acampamentos do inferno’ levam jovens à exaustão e promovem abusos

A história de um desses estabelecimentos nos EUA, que promete 'consertar jovens rebeldes', virou documentário na Netflix

Por Da Redação Atualizado em 29 out 2024, 16h18 - Publicado em 20 jan 2024, 10h00

Jovens ditos como rebeldes em um acampamento no meio do deserto ou de uma mata, sendo conduzidos por uma “terapia da natureza” que promete deixá-los comportados. Essa é a situação investigada no documentário Hell Camp: Teen Nightmare (Acampamento no Inferno: Pesadelo Adolescente), que explica o que são e como funcionam esses acampamentos que ficaram muito famosos nos EUA na década de 80, em especial o acampamento chamado Challenger, criado em 1988 por Steve Cartisano, veterano das forças armadas estadunidenses.

O Challenger foi o primeiro acampamento criado por Steve com base na “terapia da natureza” e também o primeiro a ser incriminado judicialmente por abuso sexual e homicídio por negligência após uma jovem de 16 anos falecer de exaustão durante uma das longas caminhadas feitas por dia. O documentário em si foca muito mais neste acampamento específico, sua criação, o depoimento da família de Steve e das vítimas. Mas o Challenger não era o único que promovia um tratamento polêmico em jovens “problemáticos”.

A socialite e modelo Paris Hilton, no documentário ‘A Verdadeira História de Paris Hilton’, revelou ter passado 11 meses, quando tinha entre 17 e 18 anos, no colégio para jovens rebeldes ‘Provo Canyon School’, onde sofreu diversos tipos de agressões e de violações contra seus direitos, que a levaram a processar a escola em 2020. Mesmo com a absolvição da Provo ao justificarem que os administradores não eram mais os mesmos e, por isso, não deveriam ser julgados, a coragem de Paris em abrir uma parte antiga e traumática de seu passado incentivou jovens e adultos a fazerem o mesmo.

Após o lançamento do ‘Hell Camp’, em dezembro de 2023, o TikTok ficou lotado com vídeos de jovens que compartilharam suas experiências traumáticas em acampamentos e escolas como os do documentários e o de Paris. Vendidos publicamente como espaços para ‘consertar jovens rebeldes’, Challenger e tantos outros recebiam jovens com todos os tipos: que usavam drogas, que eram mal educados, que respondiam aos pais e até mesmo que tinham Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), como foi o caso de Paris Hilton.

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DE SEQUESTRO A ROTINAS HUMILHANTES

Mesmo com a diversidade de acampamentos e escolas destinadas a jovens “problemáticos”, a maioria deles seguia a mesma rotina: quando os pais contratavam o serviço do local que nos de Steve Cartisano girava em torno de US$ 16 mil – funcionários do acampamento sequestravam os jovens durante a noite e o levavam para local, sem saberem para onde estavam indo, com quem estavam ou o que iria acontecer –  no caso do Challenger, sua sede ficava no deserto de Utah; já o colégio Provo, em uma outra área isolada de Utah. 

Quando os jovens chegavam no local, eles passavam por um momento isolados dos outros, sem conversarem com ninguém, até poderem ter contato com os outros jovens. Uma das características básicas desses lugares é o tratamento muito assemelhado a de um quartel, onde deveriam responder “sim, senhor” e respeitar as regras rígidas com rigor. Em um vídeo do TikTok, um jovem que afirma já ter passado por esse tipo de lugar, conta que não existia privacidade no acampamento pois havia sempre um fiscal o acompanhando, inclusive para tomar banho e ir ao banheiro. As punições para qualquer desobediência incluíam corte de comida, um tempo isolado do restante e até mesmo carregar esterco de vaca, do tamanho de uma bola de futebol, o dia inteiro na mochila.

No acampamento Challenger, uma das práticas lembradas pelas vítimas com muito pesar são as longas caminhadas pelo deserto, sem água ou comida. Na volta, se a equipe não conseguisse acender a fogueira, teriam que comer grãos enlatados frios. Foi em uma dessas caminhadas que Kristen Chase faleceu de exaustão, após caminhar por 8 Km no sol do deserto em seu terceiro dia no Challenger. 

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Os abusos sofridos eram tantos que, ao voltarem para casa, os jovens realmente voltavam diferentes: alguns com medo de sofrerem novamente, outros revoltados com o que aconteceu e a maioria sem saber como voltar a viver novamente. No relato do jovem, ele conta que, depois do acampamento, foi mandado para um colégio religioso e ficou surpreso ao perceber que dormiria em uma cama, teria um banheiro e papel higiênico. Em seu próprio documentário, Paris Hilton contou que desenvolveu insônia, problemas para confiar nos outros e pesadelos constantes após voltar do ‘Provo Cayon School’, onde sofreu agressões físicas, psicológicas e sexuais.

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E OS PAIS?

Muitos pais acreditavam na “terapia da natureza” de que aquilo faria bem aos filhos e não conseguiam saber o que estava acontecendo. A direção dos acampamentos, por exemplo, tirava fotos dos jovens e os obrigava a sorrir, para que os pais não pudessem saber suas situações. Foi com a morte de Kristen e o julgamento do Challenger que, aos poucos, outros jovens reuniram coragem para compartilharem pelo o que haviam passado.

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Em um comentário de um vídeo do TikTok, uma mãe conta que o ex-marido dela colocou o filho deles de 17 anos sem o consentimento dela em um desses acampamentos e que, quando foi visitá-lo, o jovem tentou contar a ela o que estava acontecendo. Com muita culpa e pesar por não ter conseguido tirá-lo antes, ela compartilha que hoje seu filho tem 34 anos, vive nas ruas e é usuário de drogas – um problema que se agravou após os abusos sofridos.

Você já sabia da existência desses acampamentos nos EUA?

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