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5 coisas que aprendi escrevendo um livro sobre relacionamentos abusivos

Ensinamentos que quero gritar para o mundo, mas parece que ainda temos um longo caminho pela frente

Por Sofia Duarte Atualizado em 30 out 2024, 16h15 - Publicado em 6 mar 2022, 10h02

Eu, Sofia Duarte, repórter de moda e beleza da CAPRICHO, me formei em jornalismo em 2020 e, como Trabalho de Conclusão de Curso, escrevi um livro-reportagem sobre mulheres que foram vítimas de relações abusivas, que intitulei Marcas (In)visíveis: Mulheres que viveram relacionamentos abusivos. Diante da pandemia, fiz o projeto todo à distância e conversei com mulheres jovens, de 18 a 29 anos, de várias realidades e regiões diferentes do Brasil. Essas personagens, que me contaram suas histórias de violência, e todos os entrevistados, como psicólogos, advogados, antropólogos e outros especialistas, enriqueceram a minha visão sobre o tema e contribuíram para que eu aprendesse muito a respeito do sistema patriarcal e sua conexão com os abusos românticos sofridos por mulheres, especialmente em relacionamentos heteroafetivos.

relação abusiva
Juliana Dias/CAPRICHO

Nesta matéria, decidi dividir com vocês alguns desses ensinamentos tão valiosos para a minha vida como jornalista, cidadã e, sobretudo, como mulher.

1. As raízes do abuso são muito mais profundas do que imaginamos

O olhar masculino, branco e hétero transcende todas as áreas da organização civil e impregna até o Estado. E essa estrutura influencia a nossa criação desde a infância. Os estereótipos enraizados na sociedade colocam o papel da mulher voltado para a família, para o lar e para o marido. Enquanto isso, os homens são socializados para serem bem-sucedidos na vida profissional e terem atitudes autoritárias que demonstrem controle e poder. 

Uma das consequências de séculos de construção do que é “ser homem” e “ser mulher” é um complexo de inferioridade das figuras femininas em comparação às masculinas, o que pode ficar em evidência em envolvimentos românticos. Levando isso em consideração na minha pesquisa, percebi que as conquistas feministas são muito recentes e que ainda estamos distantes de desconstruir e reconstruir funções tradicionalmente impostas aos gêneros masculino e feminino.

2. Na teoria, as mulheres têm direitos, mas na prática não é bem assim

A Lei Maria da Penha, vigente no Brasil, é considerada pela ONU uma das mais completas e avançadas do mundo quando se trata de proteção a mulheres vítimas de violência doméstica. No entanto, apesar de prever a elaboração de políticas públicas que auxiliam as vítimas, muitas delas ainda não alcançam todo o território brasileiro. Delegacias e juizados especializados e casas-abrigo estão indisponíveis na maioria dos municípios do país. 

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Além disso, hoje temos um Estado extremamente negligente a medidas que envolvem os direitos humanos. O governo de forma geral e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, costumam fazer campanhas focadas na denúncia da violência, mas não pensam no acolhimento das mulheres e nos suportes de várias ordens (como psicológico e jurídico) que deveriam ser oferecidos depois disso.

3. Mulheres negras sofrem dupla opressão

A violência doméstica contra as mulheres é conhecida por seu caráter democrático – basta ser mulher para estar sujeita às agressões. Mas já provou-se pelas estatísticas que as mulheres negras se encontram em uma posição de vulnerabilidade que permite maior exposição à violência

Além do determinante social de gênero, elas lidam com a opressão de raça e, muitas vezes, com a de classe também. Enfrentam, ainda, estereótipos que acabam normalizando a violência. Os principais são: a preta forte e agressiva, que cria a imagem de uma figura independente e corajosa, e a da “mulata” que exibe sensualidade e provoca a atenção masculina, o que resulta em casos de assédio e violência sexual. 

4. É preciso falar com os homens

O comportamento considerado tradicional para os homens vem do patriarcado e afeta meninos, adolescentes e adultos que fogem do padrão heteronormativo, prejudicando, inclusive, a saúde mental deles. Ou seja, esse sistema, ainda que em menor grau e de formas diferentes, também é nocivo para os homens.

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Existem grupos reflexivos voltados para a discussão das masculinidades que recebem homens que, de forma voluntária, participam dos encontros a fim de terem sua pena reduzida. O propósito dessas iniciativas não é anular a responsabilização dos agressores. Pelo contrário! Trata-se de uma estratégia eficiente a longo prazo, porque consegue evitar a reincidência dos abusos ao mudar o comportamento violento dos homens por meio de aulas, atividades e exercícios que os fazem entender as raízes do problema. 

Ou seja, os homens devem, sim, fazer parte desse debate para repensarem suas atitudes e, a partir disso, se tornarem uma semente de transformação, podendo até corrigir outros homens que fizerem uma piada machista na roda de amigos, por exemplo.

6. A cobertura da mídia ainda é falha

Muitos meios de comunicação tradicionais reproduzem discursos hegemônicos, moldando a opinião pública de acordo com valores permeados pelo patriarcado. Reportagens em jornais e emissoras de televisão ainda dizem que agressores “agiram por amor”, tiveram “crises de ciúme” ou um “surto de loucura”, evitam a palavra “feminicídio” e não promovem discussões profundas a respeito do tema, descredibilizam as denúncias das vítimas e espetacularizam casos de violência doméstica – a exemplo do famoso sequestro de Eloá, que aconteceu em 2008. Em sua grande maioria, a cobertura da mídia ainda é acrítica, irresponsável e cúmplice dos crimes contra as mulheres

Ilustração de quatro mulheres enfileiradas em ordem da mais baixa para a mais alta em fundo verde
Capa do meu livro-reportagem e trabalho de TCC  @bbbilandia/CAPRICHO
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Estes foram apenas cinco das dezenas de coisas que aprendi me debruçando nesse assunto durante um ano inteiro. As vivências das vítimas entrevistadas, que não couberam aqui, também me ensinaram e me tocaram muito.

Infelizmente, ainda não tive a oportunidade de publicar o livro-reportagem da forma como eu queria, que incluía fazer versões impressas e digitais. Várias editoras com as quais entrei em contato quiseram mudar o livro, excluir depoimentos importantes, como o da YouTuber Dora Figueiredo, e até mexer na ilustração da capa. Mas, o meu objetivo é divulgar esse trabalho na íntegra (exatamente como está – avaliado e aprovado pela minha banca) para que ele alcance diversas pessoas, provocando uma reflexão necessária e urgente para a nossa sociedade.

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