Depressão: as mesmas faces de uma doença sem cara – e mortal

Não é frescurite, puberdade ou fase. Ela não vê cara, profissão ou conta bancária. A depressão é uma doença e pode levar à morte

Por Isabella Otto Atualizado em 30 out 2024, 15h33 - Publicado em 18 set 2022, 10h01

“Era meio dia. Eu tinha que cuidar do meu irmão, limpar a casa, fazer comida e ainda ouvir dele que eu era uma vagabunda. Do meu próprio irmão, que não saía da frente do computador! Eu não me sentia bem. Só queria ficar deitada, mas meu pai me xingava por isso e me obrigava a fazer coisas. Para ele, eu estava sendo infantil. Fui para o quarto nos fundos de casa e fiquei lá. Foi o pior dia da minha vida. Sentia uma dor muito forte, mas não sabia de onde vinha. Só queria que parasse. Tomei duas cartelas de Fluoxetina, remédio que tomava na época para controlar a depressão. Mas a dor não ia embora de jeito nenhum. Comecei a me bater, me arranhar, arrancar tufos de cabelo da cabeça. Foi só quando vi um chumaço de cabelo na mão que percebi: eu estava me matando”.

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iStock/cyano66/Reprodução

A leitora V.C. tentou tirar a própria vida quando tinha 16 anos e faz parte de uma estatística que só aumenta. Para se ter uma ideia, de acordo com uma pesquisa realizada pela OMS, publicada em 2021, uma em cada 100 mortes no mundo ocorre por suicídio. As causas são muitas, mas a doença é, na maioria das vezes, a mesma. Não é frescurite, não é puberdade, não é fase. “A depressão não é uma tristeza isolada. Ela é uma doença e apresenta outros sintomas. Na adolescência, os mais comuns são irritabilidade, intolerância a situações que antes eram até prazerosas, piora no desempenho escolar, dificuldades com matérias que até então não eram um problema e até mesmo atraso na primeira menstruação”, explica o Dr. Hewdy Lobo Ribeiro, psiquiatra e Diretor Clínico e Técnico do Hospital Lacan.

Deu para perceber que aquela “deprê” que sentimos no dia a dia, aquela carência momentânea, não é depressão, certo? A doença vem acompanhada de uma série de sintomas que devem durar, no mínimo, duas semanas sem intervalos. Já fazia alguns meses que a V.C. não sabia direito o que tinha ou sentia. Era um eterno e irreparável vazio. “Falavam sempre que ia passar, mas não passava. Eu não tinha motivo nenhum para ficar assim”, lembra a leitora. Mas é aí que ela se engana. O Dr. Hewdy explica que sempre há uma razão, mesmo que o paciente pense que não. “Primeiro, o médico descarta doenças físicas que podem causar abatimento e os mesmos sintomas da depressão, como anemia. Depois, é descartado problemas envolvendo remédios e drogas, como maconha. Se as limitações físicas, mentais e psicológicas continuarem, o diagnostico é feito”, esclarece.

V.C., por exemplo, não tinha o apoio da família, que a colocava ainda mais para baixo e agravava seu quadro depressivo. Essa realidade é delicada porque, na maioria dos casos, pacientes com depressão não se sentem motivados a procurarem ajuda por livre e espontânea vontade. O psiquiatra Hewdy aconselha que, em casos como esse, o adolescente procure um professor que tenha intimidade, pois os pais tendem a acreditar mais nessas “autoridades” que nos próprios filhos. 

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'Meu maior medo é me sentir como no dia em que tentei me matar'

Foi receitado Fluoxetina para a adolescente, um medicamente antidepressivo famoso, mas que fez muito mal para a leitora, que sentia dores de barriga terríveis e enjoo. Muitos pacientes encontram nos florais uma alternativa aos fortes remédios que tratam depressão. O doutor Ribeiro, porém, ressalta que, cientificamente, não há nada que comprove que essas substâncias tenham algum efeito além do placebo. Todavia, algumas pessoas apresentam melhoras significativas após o uso. As mesmas melhoras que manifestam quando descobrem uma válvula de escape. A de V.C. foram os animes e a astrologia. Exercícios físicos também costumam ajudar, assim como atividades que ativam algum tipo de memória afetiva, como assistir a filmes que tragam lembranças boas, ouvir música, jogar videogame, ir ao teatro… É preciso acreditar naquele ditado popular que diz assim: “eu posso, eu consigo!”.

É muito comum tratarem a automutilação como um sintoma e até como uma consequência da depressão, mas não é verdade. Esse comportamento, geralmente, está mais associado a adoecimentos da personalidade, como a Síndrome de Borderline, um transtorno mental caracterizado por instabilidade de humor, comportamento e relações sociais. Os pacientes depressivos tendem a se machucar de forma mais intensa e menos repetitiva, como ressalta o psiquiatra do Hospital Lacan. Procurar um médico aos primeiros sintomas é essencial para que a doença seja tratada ainda em fase inicial. “Isolamento é um sintoma clássico. Os pais devem levar o filho ao psiquiatra assim que notar algo suspeito. Eu sempre digo que o adolescente deve ir acompanhado dos responsáveis na primeira consulta, mesmo que eles não entrem com o filho na sala do médico”, opina Hewdy. Se já não é fácil falar tudo o que estamos sentindo para os nossos pais, imagina despejar aquele turbilhão de sentimentos para um médico?

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Jonghyun, do grupo SHINee, morrei por suicídio. O cantor sofria de depressão e algumas fãs notaram pedidos de ajuda em antigas canções Reprodução/Reprodução

Coincidência ou não, V.C. contou pra gente que, apesar de estar melhorando aos pouquinhos, sofre recaídas no final do ano. E elas começam em setembro, mês marcado pela conscientização e prevenção do suicídio. Cada pessoa tem o seu diagnóstico. Alguns pacientes conseguem se reerguer apenas com psicoterapia. Outros, precisam tomar remédios além de se submeterem a essas técnicas que ajudam pessoas com problemas psíquicos. Alguns tratamentos têm prazo de validade e duram de seis meses a um ano. Outros, demoram uma vida toda. “Eu fico pensando que uma hora eu vou conseguir, que eu vou ficar bem. Estou indo a uma psicóloga desde o começo do ano. Tem me ajudado. Mas, às vezes, ainda fico depressiva, me isolo, me desanimo. Meu maior medo é me sentir como no dia em que tentei me matar”, confessa.

A tentativa de suicídio é o caso mais crítico, conforme aponta o Dr. Hewdy Lobo Ribeiro. A campanha #SetembroAmarelo, desde 2014, luta para que pessoas com quadro de depressão falem, conversem, procurem ajuda e não se isolem. O isolamento é crítico, ele pode te levar a um quarto nos fundos de casa e te fazer tomar uma cartela de remédios. Não é à toa que escolhemos a sigla V.C. para ilustrar o nome da leitora que falou com a gente (ela ainda sente vergonha de falar abertamente sobre seu problema). Isso pode acontecer com todo mundo, inclusive com VOCÊ. E toda a vez que sentir que o isolamento está chegando, ou que as coisas não estão bem ou que você não está sendo ouvida, queremos que leia esta matéria e se sinta abraçada, em um lugar lindo, cheio de flores, com um barulhinho de água ao fundo e um sol gigante e amarelinho brilhando no céu. Amarelinho da cor de setembro – e tão brilhante quanto a sua vida!

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