I choose myself: a Cinderella de Camila Cabello (e da Amazon) é icônica
É uma adaptação de um conto de fadas pra assistir sem pretensão, cantar as músicas famosas e se divertir - mas também está longe de ser só isso
Desde os anos 50, adaptações de Cinderella são feitas, algumas mais clássicas, outras mais modernas. Talvez seja unanimidade que a melhor até hoje seja A Nova Cinderela, com a Hilary Duff, clássico das comédias românticas teen de 2004, mas ouso dizer que a Cinderella de Camila Cabello é a melhor adaptação dos últimos tempo da história encantada da Disney!
O filme é recheado de músicas do começo ao fim, e até alguns diálogos foram musicalizados em forma de rap, o que pode ser cansativo para alguns. Contudo, as canções escolhidas, músicas já famosas, de Ed Sheeran a Madonna, têm tudo a ver com a trama e foram muito bem adaptadas. As coreografias e os figurinos são lindos, o Fado Madrinho de Billy Porter é preciso, a participação especial de James Corden é divertidíssima, o remake traz diversidade, não ignora as raízes latinas de Cabello e é empoderado sem ficar forçado. Ah! E a química da cantora com Nicholas Galitzine, que dá vida ao Príncipe Robert, está bem legal de ver.
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Críticos ao redor do mundo não curtiram, é preciso admitir. Teve até jornalista dizendo que a maior falha do musical são justamente as mulheres. Explico: na adaptação da Amazon Prime Video, as meias-irmãs da Ella não são ruins como na história original e até a madrasta, interpretada pela Idina Menzel, tem o seu arco de vilã suavizado, fazendo ela parecer uma vítima da sociedade. E ela é. Pra mim, a narrativa das personagens femininas do filme é um dos grandes pontos altos! Se ainda hoje mulheres têm seus sonhos interrompidos simplesmente por serem mulheres (vide, por exemplo, o que está acontecendo hoje com as esportistas, e não apenas elas, do Afeganistão), imagina o que não acontecia nas pequenas vilas do século XIX? Ser bad ass é bem diferente de ser uma pessoa ruim.
“I choose myself”
Uma das falas mais marcantes da Ella de Camila Cabello é dita quando a jovem precisa escolher entre ela – e seu sonho de ser uma grande estilista – e o príncipe; e ela não pensa duas vezes! A princesa da adaptação, que definitivamente não tem nenhuma aspiração em entrar para a realeza, deseja seguir o seu caminho e vai contra o que os contos de fadas clássicos pregam: que a mulher precisa de um príncipe encantado para ser feliz. A gente só precisa da gente mesmo e de pessoas que esteja dispostas a acreditar e apostar em nossos sonhos, mesmo que o mundo diga que aquilo não é para nós.
“Sapatos femininos são assim. Até a magia tem limites”
Quando o Fado Madrinho presenteia Ella com um sapatinho de cristal, em um passe de mágica ela reclama que eles são desconfortáveis, ao que o Fado responde que calçados femininos são assim mesmo. Apesar de até a magia ter limites, o Fado consegue tornar o salto um pouco mais “usável”. Parece uma cena besta e engraçadinha, mas a fala da personagem de Billy Porter é um cutucão nos padrões estéticos, que, por inúmeras vezes, faz a gente acreditar na ideia de que é preciso sofrer para alcançar um certo tipo de beleza e que ser mulher é isso: ter que se submeter a esses pequenos sofrimentos diários em busca de uma aparência que nos dizem ser a perfeita. Plot twist: nada a ver.
“O mundo não precisa de mais uma sonhadora”
É com esse trecho da canção Dream Girl, de Idina Menzel, com remix do icônico Nile Rodgers, que a madrasta é humanizada, o que incomodou tantas pessoas por aí. Contudo, a música traz uma mensagem positiva sobre como deixarmos de viver nossos sonhos para atender às expectativas alheias, normalmente estipuladas por uma sociedade patriarcal, podem causar traumas e frustações permanentes. Ninguém para de ser vilã do dia para a noite, ou no tempo de uma canção, mas como questiona o filósofo Jean-Jacques Rousseau, será que o homem não nasce bom e a sociedade é quem o corrompe?
“Só quero fazer a minha parte para corrigir um sistema falho”
Pra mim, um dos maiores vilões da Cinderella da Amazon é o Rei Rowan, interpretado pelo ma-ra-vi-lho-so Pierce Brosnan. Só que, ainda assim, ele não é uma pessoa realmente malvada, ele também só se deixou consumir por expectativas alheias ligadas ao trabalho. No caso, servir à Coroa. E o filho dele, o Príncipe Robert, é a personificação do que um dia ele foi e deixou de ser. Robert não quer se casar por dinheiro ou poder, ele quer se casar por amor. Mas ele não quer um amor que diminua a mulher. Ao ir atrás de Ella, por quem se apaixonou à primeira vista (oops! Clichê), ele compra o vestido que ela estava tentando vender no centro da vila mas ninguém estava querendo comprar, primeiro porque ela era uma mulher, e mulher não pode ser comerciante ou empreendedora, e porque ela é uma mulher pobre, e todos duvidam de sua capacidade e acham que ela roubou o vestido que estava vendendo. Ao dizer que queria comprá-lo, Ella questiona sobre ele só estar fazendo aquilo por dó, ao que Robert responde: “Não, só quero fazer a minha parte para corrigir um sistema falho”. E olha que muitos príncipes encantados compactuaram com esse sistema, então não faz mais do que a obrigação mesmo, viu?
“Não vai me deixar ter um lugar à mesa?”
Gwen (Tallulah Greive), a irmã do príncipe, tem o sonho de governar e é cheia de ideias revolucionárias e positivas para a comunidade, mas que são podadas pela Coroa. Afinal, ela é uma mulher e ~os homens sabem o que é melhor para ela e para o mundo~. Enquanto Robert se vê pressionado por um futuro que ele não deseja, Gwen só quer uma chance de ser Rainha e colocar suas ideias em prática. Ela só quer ter seu lugar numa meia cheia de homens. E ter voz, assim como sua mãe: “É exaustivo sentar ao seu lado e ficar sorrindo, como se eu fosse um enfeite, sem poder falar nada”, diz finalmente a Rainha Beatrice (Minnie Driver) para o marido no final do filme.