Influenciadores jovens necessitam de espaço para viverem a adolescência

Trabalhar com as redes sociais pode ser um sonho, mas é preciso cautela com o quanto se expor na internet e preservar esta fase única da vida

Por Mavi Faria 7 jun 2025, 20h00
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adolescência é, possivelmente, a fase mais complexa da vida. As alterações hormonais, expectativas sociais, inseguranças e as dificuldades do amadurecimento não tornam este período simples de ser vivido e os questionamentos da passagem da infância para a vida adulta são extensos – em especial para quem vive essa fase exposto nas redes.

Desde a época dos blogs, do auge dos YouTubers até a integração entre vida real e virtual com o Instagram, adolescentes compartilham seus pensamentos, rotinas e até iniciam uma futura carreira na internet. Entretanto, a intensidade e a velocidade desse processo é uma novidade que assusta até mesmo para aqueles que já se consolidaram no meio.

Do dia para a noite, por meio da viralização de uma trend, de um vídeo, de uma fala ou de qualquer conteúdo publicado, adolescentes enxergam a cristalização do sonho de trabalhar com a internet se tornar realidade – quem nunca, nestes anos de adolescência, sonhou com a fama? 

Mesmo com a noção de que aquele influenciador é um adolescente, o público tende a julgá-lo e cobrar posicionamentos como os de um adulto. Na recente polêmica envolvendo as influenciadoras teen Antonela Braga, Liz Macedo e Duda Guerra, as milhões de visualizações nos vídeos de pronunciamento ganharam repercussão nacional e os espectadores se dividiram em torcida, cobrando e criticando comportamentos de meninas que, apesar de serem pessoas públicas, ainda têm entre 15 e 16 anos. 

Se, internamente, as mudanças psicológicas e comportamentais desse período já são intensas e acendem a necessidade de mostrar maturidade o mais rápido possível, e, para quem está exposto virtualmente, a cobrança é ainda maior, que horas estes influenciadores podem ser… Adolescentes?

Para a atriz e influenciadora Fernanda Concon, a maior dificuldade de ser um adolescente exposto nas redes é conseguir, justamente, ser um adolescente e sobreviver ao que ela chama de ser “bode expiatório”. Em entrevista à CAPRICHO, ela recorda como era “desinibida” na adolescência e postava muito sobre sua própria vida, algo que, hoje, já adulta, é impensável.

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“Eu era uma adolescente, eu não tinha maturidade. Existe essa mania muito feia de tratar adolescentes como adultos formados e eles não são adultos formados. Adolescente faz besteira e já é uma fase tão confusa por 1.001 maneiras”, conta. Não à toa, existem regras e limitações que adolescentes precisam acatar justamente por haver a consciência de que é uma idade onde não há maturidade suficiente.

Na lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estipula que a adolescência abrange jovens dos 12 aos 18, que, após esse período, já são considerados adultos. Por outro lado, um artigo publicado no periódico Dove Press defendeu que o desenvolvimento do cérebro não está completo até os 25 anos, especificamente referindo-se a uma parte do cérebro chamada de córtex pré-frontal, responsável pelo controle e inibição cognitiva. Ou seja, mesmo com a estipulação social de que a idade adulta chega aos 18 anos, somente sete anos depois é possível afirmar que a pessoa está mentalmente desenvolvida por completo. 

“Eu acho que a maior dificuldade é preservar as fases da vida”, afirma a professora de história e criadora de conteúdo Débora Aladim. “Um adolescente não tem noção do perigo e da exposição, noção de que uma coisa que você posta hoje, daqui a 15 anos ela pode não ser tão vista, mas ela ainda vai existir na internet”, alerta.

A linha que delimita o que é postado varia de influenciador para influenciador, que entende, com o tempo, o que faz sentido ser compartilhado e o que é melhor ser mantido no privado. Porém, a falta de experiência e maturidade garantida na adolescência, unida à intensidade e velocidade que o sucesso e a viralização podem acontecer, pode ser um problema.

Com quase 20 anos de carreira na internet, Camila Coutinho, influenciadora e criadora do blog Garotas Estúpidas, sabe que prefere deixar a vida pessoal escondida e até revela à CAPRICHO que já teve relacionamentos que nem chegaram ao alcance do público. Mas, para um adolescente, entender o que compartilhar ou não é mais complexo. “Dificilmente uma cabeça de 20 anos vai pensar: ‘Ai, não, lá na frente, no meu futuro, isso pode pegar mal.’ É muito difícil ter essa maturidade para pensar não só no que vai pegar mal, mas também no que pode te fazer mal”.

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Mais do que entender o que pode não ser benéfico no futuro, Camila acredita que é urgente lembrar os influenciadores teen principalmente, de que nem tudo precisa ser resolvido na frente do público. Ela conta, por exemplo, que já passou por situações como as polêmicas das influenciadoras teen em sua adolescência, mas que foram resolvidas na escola, no privado – onde não há o risco de cancelamento ou onda de ódio sem necessidade, como aconteceu neste caso recente.

“Elas resolveram com o Brasil inteiro vendo. Nem tudo precisa ser resolvido online e precisa ter cuidado com os desdobramentos, para pensar a longo prazo, ouvir os pais e não postar coisas de cabeça quente e envolver um adulto que você confia nesse processo”, alerta. “É importante entender que você está exposto em um mundo de adultos e que tem muita coisa que você vai encontrar ali que você não está madura ainda para lidar”, lembra Camila.

“Fui uma adolescente mais confiante do que sou adulta hoje”

A adolescência é, por natureza, o período onde mais cometemos erros e aprendemos lições com ele – e isso faz parte da vida. Entretanto, com um público espectador acompanhando o passo a passo, o que deveria ser uma lição natural da vida pode se tornar um peso difícil de ser digerido.

Conhecida do público desde a infância pelos trabalhos como atriz, Fernanda só foi ter dimensão de que as pessoas a reconheciam e já tinham uma ideia pré-concebida dela na faculdade, quando passou a frequentar de perto um espaço com pessoas novas que já a conheciam. Neste momento, diante da mistura do novo ambiente com o amadurecimento natural adquirido com a idade, compartilhar a vida pessoal nas redes passou a fazer cada vez menos sentido.

Eu digo ainda que eu fui uma adolescente mais confiante do que eu sou adulta hoje. Eu passei tantas coisas nesse período que me restringir às redes sociais foi uma forma de proteção. De não postar tanto, tomar mais cuidado, ser mais perfeccionista com o que eu posto

Fernanda Concon
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No caso de Fernanda, a fase da adolescência tinha cara, gosto e sensação de liberdade, e ela até ri com a quantidade de conteúdos que compartilhava por dia. Contudo, esse período para ela já não tem o mesmo significado e lembrar de sua própria abertura em expor sua vida a faz se sentir como bode expiatório, uma expressão que designa quando uma pessoa é acusada injustamente por algo. Os comentários de ódio, ou hate, recebidos nas redes, são os principais responsáveis por essa sensação.

“Eu recebi comentários muito ruins em muitos momentos da minha adolescência, fui chamada de várias coisas, de mal a pior e acho que o pior tenha sido ser o bode expiatório”. É por isso, que, hoje, ela se posiciona alguns passos para trás e pensa com calma e cuidado em cada conteúdo que será compartilhado. “Foi bom por um lado, porque eu eu me protejo mais, mas eu me tornei mais medrosa. Foi um choque para mim ter crescido em meio a tudo isso, que eu ainda estou aprendendo a lidar com todos esses comentários”, afirma.

Ao longo da adolescência e até os dias atuais, Débora não chateia com críticas e até lembra os espectadores que eles estão livres para discordar dela. Os comentários que a fazem mal são justamente os “quando a pessoa tenta falar de mim, Débora, tenta me diminuir como pessoa e não do meu trabalho, do vídeo, do conteúdo que eu fiz. Além dos comentários de cunho criminosos”.

Ela recorda que, no início do canal no YouTube, recebia muitos comentários de assédio, que infelizmente se mantém uma constante até hoje. Aos 15 anos, ela se lembra ainda do comentário em um vídeo que estava falando sobre Roma Antiga ainda com o uniforme da escola que estudava.

“O primeiro comentário que eu recebi em toda a minha vida no canal, que hoje já existe há mais de 10 anos, foi um assédio. Foi um cara aleatório falando que a Roma antiga é muito chata, mas que eu era gostosa, sendo que eu tinha 15 anos e eu estava com uniforme de escola”, conta. “Hoje eu vejo que isso era pedofilia, literalmente criminoso, mas eu recebia e ainda recebo, de certa forma, muitos comentários de assédio, Infelizmente, professores ainda são uma uma profissão sexualizada”, relata.

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Fora do celular, o hate não existe

Mesmo que o nome Garotas Estúpidas já mostre que Camila é uma pessoa que brinca sobre si mesmo, o que, para ela, a protegeu de muitos comentários de ódio, ela ainda se assusta e acha cruel a velocidade com que os conteúdos perdem a validade e são republicados sem haver o interesse do público em entender o contexto ou ouvir a história por completo.

Ela relatou que passou por uma situação assim recentemente e que percebeu como as pessoas, ao abordarem ela sobre o assunto, também não tinham ido procurar entender o que realmente tinha acontecido. “Quem vai querer buscar para entender de verdade? Não dá tempo e as pessoas não têm interesse, o ser humano quer a fofoca cabeluda, não a sem graça”, brinca. 

Mesmo com essa situação recente que a chateou, Camila ainda lida com a internet com calma e tranquilidade – resultado, segundo ela, de 20 anos desenvolvendo uma carreira de forma mais lenta e gradual, se acostumando com a exposição e as consequências dela. Ao mesmo tempo que, em casa, seus pais eram um porto seguro que a davam segurança caso algo saísse do controle. “Acho que é isso que falta para as pessoas que trabalham com internet hoje em dia. Os pais não tem que estar no papel de empresário, porque tem interesse cruzado. Se a menina chegar um dia e dizer: ‘Cansei, quero ir ser médica’, o pai tem que dizer: ‘Vamos, minha filha, vamos embora fazer medicina’. O que eu acho que talvez não aconteça”, afirma.

Com esse apoio dos pais, é mais fácil não só sinalizar quando a carreira não está fazendo mais sentido, mas também quando você precisa de uma pausa para cuidar da saúde mental. “Se você não estiver bem da cabeça, não vai poder criar conteúdo. Você tem que proteger o seu produto, em termos de imagem e em termos de saúde mental”, ressalta.

A principal técnica usada por Débora para proteger sua saúde mental – além do acompanhamento terapêutico – é lembrar, todos os dias, de que “se você não tiver acesso à internet ou desligar o celular, esses problemas, a crítica, o hate, simplesmente não existem mais”.

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A criadora de conteúdo acredita que, embora esteja cada vez mais difícil diferenciar um problema real do virtual, “às vezes a saída é ignorar e pensar que existem problemas que existem só online. Que se você colocar o seu celular no modo avião, esse problema não vai existir mais, ele não vai atrás de você, não vai afetar a sua vida”. 

Especialmente para contas que costumam deixar comentários de ódio, Débora percebe que, muitas vezes, responder ou bloquear acaba instigando a pessoa a mandar mais mensagens.

 

A melhor forma é simplesmente ignorar para a pessoa não se sentir ouvida, porque eu entendo que existem pessoas que precisam ser bloqueadas, mas às vezes o silêncio é melhor. Às vezes a pessoa quer ver que você bloqueou ela, ou seja, você leu a mensagem dela. É isso que ela vai fazer o dia dela mais feliz e fazer ela criar um fake para continuar mandando mensagem

Débora Aladim

“A pessoa pública ainda é uma pessoa”

“Isso é muito curioso, porque eu acho que pelos meus anos de experiência com a vida pública, muita gente espera que a minha resposta seja naturalmente muito confiante. E ela não é. Até hoje eu estou procurando uma forma de lidar com isso”, relata Fernanda com atenção ao explicar como lida com comentários de ódio que recebe desde a adolescência. 

“Ainda me palpita o coração ver quando o meu nome entra em trending topics, ainda me gera uma ansiedade quando eu vejo que alguém fez um comentário sobre mim. Eu acho que eu não aprendi a lidar, acho que eu estou aprendendo. É um caminho constante”, ressalta.

Esse tipo de sentimento apareceu de forma gradual entre a adolescência e a vida adulta, e Fernanda lembra como “vivi minha adolescência intensamente, acho que eu não ligava muito pros comentários porque para mim não fazia sentido nenhum”. Porém, hoje, ela já percebe como “foi tão um choque para mim ter crescido em meio a tudo isso, que eu ainda estou aprendendo a lidar com todos esses comentários”.

É por isso que, quando perguntada se seria uma influenciadora adolescente nos dias de hoje, com a velocidade e intensidade do sucesso, ela tende a afirmar que não. “Por empirismo pessoal, eu não sei se eu seria uma influenciadora adolescente. Eu sinto que a internet é cada vez mais cruel, porque o nível de exposição também aumentou muito”, afirma. 

“A internet exige cada vez mais que você poste mais, que você conte mais sobre a sua vida. Acho que eu não seria uma influenciadora, ponto. E que engraçado, não é? Porque para você estar no audiovisual hoje em dia é primordial que você esteja também nas redes sociais. Isso me faz repensar toda a minha trajetória”.

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