‘Não morri quando tentei. Tive sorte. O pensamento era quase que diário’
A comunicadora Amanda Ramalho faz um desabafo sobre sua saúde mental e como ela lidou com a depressão durante a adolescência.
Eu era uma criança diferente, assustada. Tinha medo de morrer, tinha medo que minha mãe morresse, tinha medo de ser abandonada no shopping ou no mercado. Em grande parte da minha infância, vivi com um frio na barriga constante. Frio mesmo, daqueles de andar em brinquedos radicais. Chorava praticamente todos os dias. Em alguns momentos, era uma criança agitada, daquelas tagarelas, inquietas e desastradas. Aos cinco anos, reclamei da minha taquicardia. Minha mãe me levou ao cardiologista e foram feitos exames. Eu não tinha nada. Minha mãe achou que eu quisesse chamar atenção. Era assim que ela falava: “A Amanda inventa doenças”. A partir daí, eu mesma comecei a acreditar que as doenças não existiam.
“Inventei doenças” por cerca de dez anos. Chegou então a adolescência. Era tímida ao extremo. Ligar para marcar um horário no cabeleireiro era apavorante. Eu tinha medo. O frio na barriga me acompanhava. Com 16 anos, meus pais me matricularam em um curso técnico de contabilidade. Não era a minha vontade. “Amanda é fogo de palha”, era o que diziam sobre minha empolgação e desinteresse pelas coisas. Já tentei aulas de violoncelo, canto, inglês, violão e informática. Desisti até da catequese! Nada me motivava. No curso de contabilidade, a obrigação de me formar estava me deixando apavorada. Em um sábado pela manhã, comecei a chorar e, quando me dei conta, estava embaixo da cama, literalmente, apavorada. Evidentemente, não terminei o curso. Na semana seguinte, fui a uma psicologa e menti que era feliz. Eu queria receber alta, só que eu só chorava.
Um ano depois, pedi a minha mãe que fosse na minha consulta para dizer que eu não iria mais. Eu não tinha coragem. Nesse dia, achei que fosse me livrar dela, mas minha mãe voltou para casa dizendo: “a doutora disse que você está deprimida, que só mente e chora, que você nunca olhou para ela. Amanda, você vai ter que ir a um psiquiatra. Ela disse que você tem depressão”. Para mim, tudo isso já era muito claro.
A minha diversão (a única) sempre foi ouvir rádio. Ouvia todos os programas, de todas as rádios: programas de economia, comportamento, futebol… Eu precisava de companhia e no radio sempre tinha alguém falando. O Pânico sempre foi o mais especial para mim. Eu gravava em fitas cassetes para ouvir antes de dormir. Eu ouvia rádio para não ouvir meus pensamentos. Liguei no Pânico uma vez e chamei a atenção dos meus ídolos. Quando me vi, já estava trabalhando na única coisa que eu realmente amava.
Quinze anos se passaram desde o inicio do meu tratamento. Hoje, meu diagnostico é de ansiedade social, que, às vezes, vira depressão. Não saberia contar quantas crises profundas já tive. Talvez umas três. Vontade de me matar, não tenho mais, mas esse pensamento já foi muito presente. Quase que diário. Muitas vezes, constante. Eu não morri quando tentei. Tive sorte.
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Não tenho previsão de alta do psiquiatra, mas estou estável. Faço terapia há seis anos. Aliada aos medicamentos certos, levo uma vida bem legal. Casei, tenho duas gatas e uma cachorrinha. Hoje, posso dizer que estou acolhida e encontrei meu lugar. Não me considero exemplo de nada, porque a vida é um dia de cada vez, mas estou vivendo – e não apenas sobrevivendo.
Falar de saúde mental sempre foi uma vontade, mas não sabia como. Achava que era minha missão e de maneira inesperada surgiu o Esquizofrenoias, podcast em que uno as coisas que mais sei fazer: falar e ouvir. Semanalmente, recebo pessoas que sofrem de algum problema e abordamos de maneira natural assuntos que ainda são tabus. Não me sinto completamente realizada, é claro. Ainda há muito para ser feito. Eu só dei o primeiro passo.