Participamos de um ritual de bruxaria e contamos como foi

Seis bruxos, muita dança, uma Lua Cheia brilhando no céu e a Grande Mãe: o que esperar de um ritual wicca?

Por Isabella Otto Atualizado em 31 out 2024, 10h03 - Publicado em 31 out 2018, 15h00

O que é ser bruxa para você? Voar em vassouras? Ter um verruga saltando bem na ponta do nariz proeminente? Saber realizar feitiços? Usar uma varinha? Ter uma risada maléfica? Usar um chapéu pontudo? Ufa! A ficção contribuiu bastante para que a gente criasse em nossa cabeça esse estereótipo da bruxa, que é ainda mais reforçado durante o Halloween. Mas e se a gente te dissesse que não é bem assim? Que nos Estados Unidos o número de bruxas é superior ao número de presbiterianos? Que o Rio de Janeiro é o estado brasileiro com mais bruxos? Foi essa nossa primeira impressão ao chegar no Santuário da Grande Mãe, templo camuflado em meio a lojas de roupas, restaurantes, do ladinho do metrô Ana Rosa, em uma rua movimentada de São Paulo.

Antes de tudo começar… Esses riscos no chão são um labirinto, que ajuda na hora da meditação. Arquivo Pessoal/Reprodução

Já na porta, três bruxas conversavam sobre a vida – e em nenhum momento expressões como espelho mágico, caldeirão ou maçã envenenada foram ditas. As três mulheres eram adeptas da Wicca, religião seguida pelos frequentadores do santuário, que cultua a natureza e o Sagrado Feminino. Talvez, por conta disso, a maioria dos adeptos seja formada por mulheres, mas curiosamente o bruxo que nos recebeu e nos explicou mais sobre o ritual que iríamos acompanhar era homem. Raul Costa, sacerdote wiccano desde 2000 e membro do Astrocentro, maior portal de esoterismo do Brasil, contou que a Wicca é uma religião xamânica baseada em rituais pagãos dos antigos povos europeus. “Trata-se de uma espiritualidade que acredita que tudo o que existe é vivo e sagrado, e por isso a natureza é nossa principal fonte de energia e inspiração”, relata.

Enquanto subíamos as escadas do templo, fomos aprendendo mais sobre a religião. Descobrimos que ela é panteísta, ou seja, vê a divindade (deuses ou deusas) presente em tudo aquilo que existe. Você é uma deusa, sua mãe é uma deusa, sua irmã, sua tia… Inclusive, podemos dizer que aquele deus que sua avó cultua está presente em cada um de nós. Como já tínhamos lido a saga As Brumas de Avalon, ficou mais fácil entender o que tentavam nos explicar. Toda e qualquer pessoa pode receber o “Chamado da Deusa”, se conectar com ela e, eventualmente, tornar-se ela durante os rituais. E falando em rituais, estávamos lá para participar do de Lua Cheia, um dos mais poderosos de todos! É na noite exata em que a Lua alcança o ápice do preenchimento que a vida está mais plena na Terra, fazendo com que a gente consiga se elevar ao máximo – e, consequentemente, ter um contato mais intenso com a Deusa e com o nosso interior.

Visão ampla da sala onde aconteceu o ritual. Arquivo Pessoal/Reprodução
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Assim como na astrologia, os ciclos lunares são importantíssimos na Wicca e a Lua é a representação máxima do feminino. “Para diversas culturas antigas, ela não era apenas um símbolo, mas a própria divindade”, conta Raul, que trabalha com TI. Aliás, fomos descobrindo as profissões por trás das bruxinhas, de empreendedoras a jornalistas. “Os Esbats são celebrações da Lua Cheia e os Sabats são oito celebrações solares que marcam a passagem das estações do ano. Toda celebração nos traz paz, reforça nossos laços de amizade e nos conecta com a Deusa, que é a fonte de toda a vida”, foi nos explicado.

Depois de tirar os sapatos, uma obrigatoriedade para entrar na sala em que o ritual acontece, perguntamos se qualquer pessoa pode se tornar um wiccano – afinal, estávamos gostando dessa história de cultuar a natureza, o feminino e emanar energias positivas para o universo. A resposta foi unanime: sim. Diferentemente da maçonaria, uma sociedade secreta cheia de segredos, a Wicca é uma religião com mistérios. Nada precisa ser omitido, mas nem tudo será contado no primeiro encontro. Justo, né? Para se tornar um wicanno, é preciso participar de todos os rituais por, pelo menos, um ano e um dia, e estudar muito, é claro. Mas cada pessoa tem o seu tempo. “Não fazemos discriminação por sexo, orientação sexual, gênero, etnia, classe social… Mas, antes de tomar essa decisão, é preciso estar certo de que é realmente isso que você quer para a sua vida“, garante o sacerdote.

A sala do ritual é comprida, com um espaço reservado para os bruxos e simpatizantes praticarem ioga e se conectarem com uma energia superior. É nessa parte que fica o altar com vários deuses, de diferentes religiões. Muitas velas, muito incenso, alguns baralhos de tarô e flores. O ritual de Lua Cheia começou por volta das 21h e durou cerca de duas horas. Antes de ~iniciarmos os trabalhos~, purificamos toda nossa energia com água salgada (que representa o oceano, o início de tudo) e pétalas de rosa (em homenagem à Vênus). Ficamos posicionados em roda e a pessoa à sua direita molhava a ponta dos dedos nessa aguinha e espirrava no seu rosto, mentalizando sempre coisas positivas. Os wiccanos acreditam na Lei Tríplice, e é por isso que desejam algo sempre no positivo. Por exemplo, eles nunca falam “queremos o fim da intolerância”, porque intolerância já remete a algo negativo. Eles preferem dizer “queremos que as pessoas sejam mais tolerantes”. “Toda ação gera uma reação ainda maior. Nós acreditamos que tudo o que você deseja ou faz volta triplicado para você. Quem planta pimenta irá colher pimenta em quantidade muito maior – não adianta esperar a doçura dos morangos”, esclarece Raul.

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Um pedacinho do altar, com muitos deuses e muitas velas. Arquivo Pessoal/Reprodução

Uma vez purificadinhos, foi hora de invocar os quatro elementos, os ancestrais e, por fim, a Deusa ou Grande Mãe. Cada ritual tem sua particularidade, mas essas invocações são de praxe. Quando tudo termina, é preciso se despedir de cada coisa invocada no início. É importante esclarecer que não se invoca nada “trevoso” durante as reuniões, como muita gente acredita. Os principais mitos sobre a Wicca são que a religião é associada à magia negra e faz rituais com bichinhos mortos. Tudo mentira. Na realidade, muitos wiccanos são vegetarianos ou veganos, participam de ONGs de proteção animal e do meio ambiente, e são ativistas de causas sociais. “A magia não é branca ou negra, ela simplesmente é. Quem associa maldade ou bondade é o coração de quem faz a magia acontecer. Muitos acham que a Wicca é uma seita satânica, de adoração ao demônio, mas nem em demônio a gente acredita“, deixa bem claro o sacerdote que, após fazer a invocação inicial, coordenou uma meditação, momento em que “nos encontramos” com a Grande Mãe.

Esse foi pra gente um dos momento mais gostosos da noite. Foi gostoso se imaginar em outro lugar, um lugar de paz, só seu, em que você pode ser quem é. Na sequência, fizemos uma atividade em dupla. Nessa hora, nós projetamos na outra pessoa alguém para quem gostaríamos de pedir perdão. Falamos, abrimos o coração, e depois foi a nossa vez de escutar o parceiro. Como na noite em que realizamos o ritual a Lua estava em Touro, aproveitamos para homenagear Vênus, planeta que rege o signo. Justamente por isso, fizemos um trabalho incrível de autoestima. Ainda em duplas, falamos para o outro suas principais qualidades e ouvimos elogios deles também. Foi legal, porque tivemos que falar coisas bonitas para pessoas que tínhamos acabado de conhecer. Nem sempre temos coragem de fazer isso por questões até mesmo sociais. Não dá para sair elogiando uma pessoa que você acabou de conhecer, né? Uma coisa meio Ted Mosby, sei lá. Mas foi uma delícia! Nesse momento, percebemos que o planeta Vênus, que representa a Deusa do Amor, é muito mais sobre amar a si mesma para depois amar os outros que o contrário. Sentimos também que a Wicca é bastante feminina e pode ser bem empoderadora.

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Nosso coven <3 Arquivo Pessoal/Reprodução

Existe algumas versões de como a religião nasceu, mas é certo dizer que a bruxaria é datada do período Neolítico, com fósseis de pinturas rupestres e estátuas representando a Deusa da Fertilidade. É importante ressaltar, contudo, que a Wicca como é conhecida hoje só se “popularizou” nos anos 50, quando a caça às bruxas foi proibida por lei na Inglaterra. Apesar de todo o ritual ser único, as bruxas que nos receberam garantem que sempre tentam cantar músicas animadas, principalmente quando querem mentalizar coisas boas ao redor do fogo. Esse foi o penúltimo momento da noite: todos em círculo, girando no sentido horário, cantando e louvando a Deusa, gritando palavras de paz, de mãos dadas (a mão direita sempre vem em cima da esquerda, é regra), sem soltar.

Participar de um ritual de bruxaria foi algo único, diferente, que fizemos pela primeira vez. Foi tudo e, ao mesmo tempo, foi nada do que estávamos esperando. Conhecer religiões diferentes é importante para que sejamos mais tolerantes e tracemos nosso próprio caminho. Saímos do ritual nos sentido renovadas, leves, felizes com o mundo e com nós mesmas. É claro que isso varia de experiência para experiência. Para nós, ela foi bastante positiva – e olha que a gente só se imaginava sendo bruxonas em Hogwarts!

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