‘Precisamos falar sobre a depressão. Ela é real e um inferno.’

O que você assiste em '13 Reasons Why', Marcela Bonafé, nossa estagiária de comportamento, passou na vida real. E esse é o desabafo dela.

Por Marcela Bonafé Atualizado em 31 out 2024, 21h53 - Publicado em 7 abr 2017, 12h39

Eu achava que era estresse. Sabe como é. Trabalho, faculdade, curso de idiomas e poucas horas de sono. Por isso pensei que quando as férias chegassem, passaria. Mas não passou. De repente, a Marcela independente, feliz, para cima e que adorava a própria companhia deu lugar a uma pessoa triste. Passei a não me reconhecer e a não gostar nem um pouquinho dessa outra versão de mim mesma.

Ninguém percebia. Na frente dos outros e nas redes sociais, eu era só sorrisos. Talvez um pouco mais quieta que o normal, mas eu insistia em não deixar transparecer. Quando estava sozinha, a angústia vinha. Minha cabeça doía, meu peito também, eu chorava sem motivo algum e me sentia vazia, completamente perdida. Não queria abrir as janelas, não tinha forças para levantar da cama nem energia para pegar alguma coisa para comer. Ficar deitada no escuro e chorando era tudo o que eu fazia. Era tudo o que eu queria fazer. Eu sabia que tinha tarefas, compromissos, mas eu simplesmente não conseguia. Sair de casa todos os dias era (e ainda é) uma luta. Imagine acordar, pensar no que precisa fazer e se perguntar o porquê de tudo aquilo. Qual é o propósito, afinal? Por que eu não posso ficar ali, largada? Qual é o sentido?

'Precisamos conversar sobre a depressão. Ela é real e ela é um inferno.'
Reprodução

Paralelamente, coisas que normalmente não me incomodariam, começaram a me deixar arrasada. Eu entendia que não precisava ficar triste por besteira, mas eu ficava. E chorava. Tudo o que eu conseguia pensar nesses momentos era: “o que está acontecendo comigo?”. Eu me perguntava como eu tinha chegado a isso. Como eu não havia percebido, lutado contra. Eu não tinha – nem tenho – motivos para sentir tristeza ou angústia. Minha vida é ótima, faço tudo o que amo! Contudo, ainda assim, algo me consumia.

Tentei conversar mais sobre isso com meu namorado, que já tinha aguentado algumas crises de choro minhas. Eu não queria preocupar minha mãe, mas eu sabia que precisava contar para ela também, e ele me incentivou. Afinal, minha mãe é a primeira pessoa no mundo em que posso confiar. Os dois me incentivaram a procurar uma psicóloga para ver as coisas de maneira mais profissional. Para as outras pessoas, eu continuava usando a máscara de Marcela feliz e tranquila.

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Com as sessões de terapia, fui percebendo que as coisas pioravam quando eu estava sozinha. Enquanto eu estava distraída, no trabalho, na faculdade ou em qualquer outro lugar, por mais vazia que eu estivesse, eu conseguia espantar esse monstro de mim mesma por algumas horas. Hoje, continua sendo difícil sair de casa de manhã, mas quando chego ao trabalho, por exemplo, fico feliz, porque consegui chegar e sei que vou acabar fazendo coisas úteis (como este texto).

'Precisamos conversar sobre a depressão. Ela é real e ela é um inferno.'
Reprodução/Reprodução

Com o tempo, consegui me abrir com amigos mais próximos e eles tentavam me tirar de casa durante feriados e finais de semana. Se a minha mãe viajava, eles faziam de tudo para eu não ficar sozinha. Era muito bom, eu conseguia sorrir de verdade e me divertir, mas eu sabia que quando eu voltasse para a minha companhia, tudo voltaria também, mesmo que a essa altura eu já estivesse tomando antidepressivo.

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Até que em uma sessão de terapia, comentei de um sonho que tive com um tubarão. Tubarões sempre foram o meu maior medo. Era simplesmente ver uma foto deles para começar a chorar. Tentamos decifrar meu sonho e, quando saí do consultório, tive um impulso meio maluco: mandei mensagem para o meu namorado pedindo para ele me levar ao aquário de São Paulo no dia seguinte. Ele não entendeu direito, mas topou sem maiores questionamentos.

Eu prometi para mim que não iria sair correndo daquela vez. E não corri. Quando entrei na ala dos tubarões, nunca senti tanto desespero. Eu só conseguia chorar, segurar meu namorado com força e ficar sem ar. Durou mais ou menos meia hora. Aos poucos, fui conseguindo chegar mais perto do vidro e encarar meu maior medo. E então tudo pareceu clarear um pouco. Se eu conseguia encarar um tubarão de verdade, bem na minha frente, mesmo que com um vidro nos separando, por que eu não conseguiria encarar meus próprios tubarõezinhos internos?

'Precisamos conversar sobre a depressão. Ela é real e ela é um inferno.'
Reprodução/Reprodução
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Parece que desde aquele dia eu me sinto mais forte e consigo acreditar que vai ficar tudo bem. O remédio e a terapia têm me ajudado muito, sim, só que ainda não consigo me sentir a Marcela de quem gosto. É uma luta diária. Alguns momentos parecem mais angustiantes e, às vezes, não dá para conter o choro. Aos poucos, entretanto, vou conseguindo me levantar, abrir a janela e encarar o dia. Eu sei que não dá para ficar 100% bem tão rápido e que ainda tenho bastante chão pela frente, mas procurar ajuda e conseguir falar sobre isso já tem sido um ótimo começo. E saber que tenho pessoas que se importam comigo e que não vão me deixar cair é fundamental. Por isso, tenho dois recados importantes:

#1: Se você tem depressão, não tenha vergonha, não pense que está ficando louca e, acima de tudo, não deixe isso te vencer. Abra o jogo com aquela pessoa que te faz sentir-se confortável e busque ajuda. Eu sei que parece que a gente vai se afundar cada vez mais, que a angústia vai consumir a gente, que nada vai nos tirar dessa e que, na verdade, nada tem sentido. Mas, por favor, acredite que existe, sim, uma solução, uma resposta, uma saída. Terapias e remédios estão aí para isso. Não há vergonha nenhuma em precisar desse suporte. Tente fazer coisas das quais você gosta, se distrair. A depressão não atinge todo mundo igualmente e cada pessoa apresenta seus sintomas, mas em todos os casos ela pode ir embora. Não tenha medo. Você não está sozinha!

#2: Se você conhece alguém com depressão, não precisa entender exatamente o que acontece com aquela pessoa, porque nem a gente que tem a doença entende bem. Só, por favor, não subestime e não diga que é frescura. Posso assegurar que a gente não quer se sentir assim. Saiba que a sua companhia pode fazer toda a diferença, mesmo que você não saiba o que dizer. Tente um abraço, um ombro para chorar, uma iniciativa para ajudar a achar algum psicólogo, uma conversa. Se a pessoa disser que precisa de você, não vire as costas. Todo e qualquer apoio é fundamental para que a gente se sinta menos sozinho. Qualquer tentativa de arrancar um sorriso já significa muito.

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'Precisamos conversar sobre a depressão. Ela é real e ela é um inferno.'
Reprodução/Reprodução

Precisamos conversar sobre a depressão. Ela é real e ela é um inferno. Mas ela não é mais forte que a gente, se a gente não deixar ela ser. Essa é a parte mais difícil e é por isso que a luta deve ser diária. Sei que vai ficar tudo bem e que vou conseguir voltar a ser a Marcela de quem sinto tanta falta. Amor e paciência é o que preciso, além, é claro, de me levantar todos os dias e tentar fazer com que cada um deles valha a pena.

Nós chegamos lá. <3

 

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