Céu quer que seu público seja “protagonista da sua própria novela”

A cantora acaba de lançar seu novo disco, Novela, que foi inteiramente gravado de maneira analógica e em uma dinâmica "ao vivo"

Por Arthur Ferreira Atualizado em 29 out 2024, 15h52 - Publicado em 3 Maio 2024, 19h00

No dia 26 de abril de 2024 a cantora Céu lançou Novela, seu sexto álbum de músicas inéditas que traz uma mistura autêntica de gêneros e influências culturais. O disco foi gravado no Linear Labs Studio em Los Angeles e contou com recursos 100% analógicos, sem computadores, e gravações que aconteceram em uma dinâmica “ao vivo”, em uma só mixtape. Em entrevista exclusiva para a CAPRICHO, Céu contou mais de como foi o processo de composição e produção do álbum.

“Novela é um disco que fala sobre vulnerabilidade humana e traz à tona as características mais humanas possíveis em um mundo de tanta Inteligência Artificial e de tantos padrões ditados por máquinas, redes sociais e filtros. Esse é um disco gravado analogicamente, onde tudo foi feito demandando muita presença para fazer acontecer. É um disco que celebra o encontro e o ser humano”, compartilhou Céu, descrevendo a mensagem central do álbum.

 

A abordagem ao vivo nas gravações, uma marca registrada dos trabalhos de Adrian Younge, acrescentou uma dimensão única ao som e à energia do álbum. “Não dá para ficar mexendo no celular, tem que focar e fazer direito. Não tem um segundo take, não tem espaço para corrigir a voz, não tem ideias que você quis fazer e deixou para frente. Ou acontece ou não acontece“, destaca a cantora sobre o processo.

O primeiro disco da artista, que leva seu próprio nome e foi lançado em 2005, surgiu após várias inspirações que a cantora fez por Nova York. Influenciada por MCs pretas e porto-riquenhas nas ruas de Lower East Side, Céu se sentiu livre para compor músicas, pela primeira vez.

“Eu não sabia que eu era compositora. Eu achava que eu estava indo estudar música, mas eu não achava que eu ia me tornar a protagonista da minha própria novela”, contou.

 

Depois de anos de um primeiro disco arrebatador e indicado ao Grammy e Grammy Latino, Céu continuou a conquistar um público engajado ao longo de sua carreira. Em 2023, ela retornou aos EUA, dessa vez para Costa Oeste, para compor seu novo disco. Desta vez em Los Angeles, a cantora encontrou inspiração em suas experiências anteriores no país.

Continua após a publicidade

“São tantos anos tocando aqui e fazendo turnê lá fora, então eu fiz essa ponte de pessoas que vão lá me assistir e nem falam português. Eu quis fazer isso de novo, mas sempre reforçando a minha base brasileira com essa estética novelesca, personalidade latino americana e muita cafonice, erros, acertos e humor”, compartilhou Céu.

A gente está sendo roteirizado pela sociedade, mas não é para ser assim. É para a gente ser protagonista da nossa própria novela. A gente não vai dizer quem é que define o desfecho de cada um, quem define o seu desfecho é você.

Céu, sobre a mensagem principal de 'Novela'

 

O álbum apresenta diversas colaborações, incluindo artistas como Ladybug Mecca e anaiis.  A faixa Reescreve, escrita em colaboração com Marcos Valle, aborda a perspectiva histórica do Brasil. “Essa faixa é decolonial mesmo. Eu sabia que eu praticava esse pensamento desde adolescente”, ressaltou.

Com Novela, Céu reafirma sua posição como uma das vozes mais autênticas e relevantes da música brasileira contemporânea, trazendo à tona questões profundas com uma abordagem única e envolvente. É para pensar, dançar, sofrer e se empoderar.

Escute Novela, o novo álbum de Céu:

Continua após a publicidade

Confira a entrevista com Céu na íntegra:

CAPRICHO: Novela apresenta uma mistura muito autêntica de diferentes gêneros e influências culturais. Como você descreveria esse novo som e a mensagem geral do álbum para aqueles que ainda não o ouviram?

Céu: Novela é um disco que fala sobre vulnerabilidade humana e traz à tona as características mais humanas possíveis em um mundo de tanta Inteligência Artificial e de tantos padrões ditados por máquinas, redes sociais e  filtros. Esse é um disco gravado analogicamente, onde tudo foi feito demandando muita presença para fazer acontecer. É um disco que celebra o encontro e o ser humano.

Sobre as gravações, você pode nos contar um pouco mais de como foi essa dinâmica da abordagem ao vivo, que é muito utilizada nos trabalhos do Adrian Younge. Como foi esse processo e como essa abordagem impactou o som e a energia do álbum?

Eu queria trabalhar com ele e ele me falou que também queria muito trabalhar comigo, mas com a condição de ser do modo dele: sem computadores. Eu achava que entendia o que era, no sentido de que eu sou de uma geração que viveu o mundo analogicamente. Eu vi a chegada do streaming e do celular, eu tive um bipe. Só que eu não sabia como essa dinâmica ia impactar o meu trabalho e muito menos como seria em prática. Só fui realmente entender a dimensão do que é gravar um disco dessa maneira quando cheguei em Los Angeles, dentro de uma agenda apertada. 

Eu achei uma experiência muito enriquecedora e aprendi muito com isso, porque a gente tem que ter uma presença muito grande no presente. Não dá para ficar mexendo no celular, tem que focar e fazer direito. Não tem um segundo take, não tem espaço para corrigir a voz, não tem ideias que você quis fazer e deixou para frente. Ou acontece ou não acontece. Essa sensação de viver intensamente no presente acabou sendo um grande aprendizado para todos nós no estúdio. Eu já tive essa vivência analógica e agora venho evoluindo a minha carreira no meio digital. Não gosto de dizer que esse é um disco vintage, eu diria que é mais uma forma possível de se fazer. Não é tão simples achar pessoas que trabalham dessa forma, mas existe. 

Continua após a publicidade

Como foi voltar aos Estados Unidos, desta vez para Los Angeles, para gravar o álbum ‘Novela’? Você sentiu que esse retorno te trouxe de volta a algumas das inspirações e experiências que te influenciaram em Nova York, no início da sua carreira?

Foi um retorno para a minha origem. Não que eu seja de lá, de jeito nenhum. Eu sou muito daqui, estou aqui e sempre escolhi o Brasil, mas foi quando eu tive essa oportunidade de viajar e ficar lá por um tempo que eu me descobri compositora. Dentro desse momento houve uma grande transformação porque, em 2005, eu não sabia que eu era compositora. Eu achava que eu estava indo estudar música, mas eu não achava que eu ia me tornar a protagonista da minha própria novela. Voltar a esse lugar que foi tão inspirador e potente foi uma forma de agradecer também.

Eu quis trazer para dentro dessa história de Novela o público que eu conquistei lá fora. São tantos anos tocando aqui e fazendo turnê lá fora, então eu fiz essa ponte de pessoas que vão lá me assistir e nem falam português. Eu quis fazer isso de novo, mas sempre reforçando a minha base brasileira com essa estética novelesca, personalidade latino americana e muita cafonice, erros, acertos e humor.

O álbum apresenta algumas colaborações. Como a ideia dessas parcerias surgiu e qual foi a importância delas para a direção artística de Novela?

Como a gente fez essas gravações nesse modelo ao vivo e não tinha como eu sair do estúdio e deixar para gravar depois, nós priorizamos em colaborar com artistas que estavam perto. Alguns deles são grandes ídolos: a Ladybug Mecca é uma grande rapper que foi um estrondo nos anos 90 com a banda Digable Planets, que eu admiro profundamente. A Loren Oden também estava próxima da gente e já era conhecida do produtor, ela é super talentosa. A única pessoa mais distante que a gente levou de longe para gravar foi a anaiis, que é de Londres.

Continua após a publicidade

A expressão “gerar na alta” é de Recife e quer dizer estar arrebentando, mandando bem, se garantindo. Em quais momentos você mais sente que está gerando na alta?

Eu sempre achei bonita essa gíria. Eu gero muito na alta quando estou com as minhas amigas ou quando estou dando o meu máximo no estúdio. É quando estou no ponto alto de qualquer coisa que estou fazendo. Quando estou com aquela amizade fiel que eu não tenho medo de me expressar e ser eu mesma com intensidade. Amizades que nos permitem gerar na alta sem medo, sem julgamentos. Eu gero muito na alta com as minhas amigas.

O verso “como voar se eu sou feita das coisas da terra?” em Lustrando Estrela traz essa contemplação sobre a dualidade entre a espiritualidade e a materialidade. Você pode compartilhar mais sobre a inspiração por trás desse verso e como ele se relaciona com a mensagem geral do álbum?

Lustrando Estrela é uma das canções mais importantes, foi uma das primeiras que eu compus e que me deu vontade de fazer o disco. Eu estava passando por um momento pessoal e familiar muito drástico e complexo. Um momento em que eu achei que eu não conseguiria mais fazer viagens e fazer música. Essa frase fala muito sobre os nossos propósitos e sobre o que nos faz sonhar, brilhar. Às vezes viver pode apagar nossas estrelas, porque as coisas podem ser muito complexas. Então essa faixa propõe essa reflexão. Eu quero voar, mas eu sou apegada nas histórias, na família, no cuidado e nas coisas mais triviais.

Ainda sobre o processo de composição. Raiou é uma parceria com a Ladybug Mecca e traz essa letra sobre auto conhecimento, que estimula o amor próprio. Em Cremosa você também traz esse tema de uma forma super divertida e dançante. Como as letras dessas faixas surgiram para você?

Continua após a publicidade

Eu nunca fui panfletária das minhas bandeiras, mas eu nunca larguei os temas e as pautas que são extremamente relevantes. Eu sempre fui essa pessoa que trouxe pautas para a gente pensar e isso não poderia ser diferente agora. Apesar de ter roupagem divertida, como Cremosa e Raiou, eu quero empurrar para a frente. A gente está sendo roteirizado pela sociedade, mas não é para ser assim. É para a gente ser protagonista da nossa própria novela. A gente não vai dizer quem é que define o desfecho de cada um, quem define o seu desfecho é você. Então eu acho que essa conexão mais espiritual sempre me interessou muito e eu abordo sempre nos meus discos de uma maneira poética.

A faixa Reescreve, foi escrita em colaboração com Marcos Valle, e aborda uma questão muito importante sobre a perspectiva histórica do Brasil. Qual foi a inspiração por trás dessa música e como você espera que ela ressoe com os ouvintes?

Essa faixa é decolonial mesmo. Eu sabia que eu praticava esse pensamento desde adolescente, quando eu já riscava as páginas dos livros de história do Brasil. Eu não me orgulho desse meu jeito displicente na aula, não acho isso bonito, mas eu era péssima aluna e escrevia “tudo mentira” nas páginas. Eu procurei entender o que eu sentia, e a gente sabe que o Brasil não foi descoberto com a chegada dos europeus aqui, né? Essa é uma música que propõe essa reflexão. Ela é provocativa e essa é a ideia mesmo. 

Publicidade