EU NASCI PRA ANDAR DE SKATE

Prestes a completar 18 anos, Rayssa Leal celebra as manobras inacreditáveis da vida até aqui e mira um futuro em que ela própria está na direção.

por Juliana Morales 12 dez 2025 13h00
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mperatriz, no Maranhão, nunca esteve perto dos centros do skateboarding brasileiro. Mas foi lá, na cidade localizada às margens do Rio Tocantins e distante 629,5 km da capital, São Luís, que nasceu e cresceu a mais jovem brasileira a conquistar uma medalha olímpica. 

Jhulia Rayssa Mendes Leal ganhou seu primeiro skate aos seis anos de idade de um amigo do seu pai. Com pouco tamanho, sem ainda saber o nome das manobras, ela foi se aventurando com o novo brinquedo, quase que instintivamente. Nunca ligou se aquilo “não era coisa de menina”, como muitos diziam. Ela só estava preocupada em aproveitar qualquer tempo livre, fora da escola ou depois de terminar o dever de casa, para tentar novos movimentos.

Depois do desfile de 7 de setembro de 2015, nem tirou a fantasia de Sininho, que a avó havia feito, para seguir o tema daquele ano, “Peter Pan”. Só teve tempo de colocar a meia e o tênis e correr para a Calçadaria da Terra, pico conhecido pelos skatistas da região. A mãe, Lilian Mendes, estava com a câmera ligada na hora certa e capturou o momento em que a garota, então com sete anos, acertou o heelflip. “Eu olho pro passado e me dá um misto de orgulho e emoção. Hoje a Rayssa já viveu tantas coisas que algumas pessoas demoram uma vida inteira para viver”, afirma a mãe da atleta em entrevista à CAPRICHO.

Eu olho pro passado e me dá um misto de orgulho e emoção. Hoje a Rayssa já viveu tantas coisas que algumas pessoas demoram uma vida inteira para viver

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Fantasiada, com asas, vestido azul, uma tiara de borboletas na cabeça e meias rosas listradas, ela chutou o skate com o calcanhar, fazendo-o girar a 360 graus para longe do corpo. A cena, publicada nas redes sociais, apresentou ao resto do Brasil e do mundo a futura medalhista olímpica pelo skate, prata em Tóquio-2020 e bronze em Paris-2024. 

Ninguém ainda sabia de todos os feitos que viriam a seguir. Mas foi ali que ela ganhou o apelido carinhoso de “fadinha”, que, até hoje, uma década depois, é lembrado pelo público. “Teve uma época que eu me irritei porque as pessoas continuavam me chamando de fadinha. Mas hoje não ligo mais, tudo bem, eu sei que é um jeito carinhoso. Mas é que eu cresci”, responde. E depois de uma pausa rápida, pondera: “Mas eu prefiro que me chamem de Rayssa Leal, mesmo”.

O nome, hoje sinônimo de fenômeno internacional, no TOP2 do ranking feminino mundial de skate street, foi o escolhido para estampar a capa desta edição impressa de dezembro da CAPRICHO. Em janeiro de 2026, a “fadinha” que dominou as redes e a Rayssa que dominou o esporte vai completar 18 anos e já deixa um legado enorme para as novas gerações de meninas que querem ser como ela. Esse momento vem acompanhado da imagem carismática e do simbolismo de alguém tão jovem que faz parecer ser fácil, leve e divertido ser uma garota realizando sonhos ‒ apesar de todos os obstáculos que a realidade dentro e fora das pistas impõe. Com 1,61m de altura, sorriso largo e um sotaque gostoso de ouvir, está estampada nestas páginas uma gigante que tem a cara da potente juventude brasileira.

Camila Tuon (foto e direção de foto), Pâmela Anastacio (foto e direção de foto), Yago Pontoni (assistente de foto), Nathalia Costa (assistente de foto), Vitor Wagner (retouch), Felipe Figueiredo (set design), Lucas Oliveira (nail designer), Aneco Oblangata (produção de moda e styling), Sandro Barreto (beleza), Pedro Calderaro (cabelo).
Camila Tuon (foto e direção de foto), Pâmela Anastacio (foto e direção de foto), Yago Pontoni (assistente de foto), Nathalia Costa (assistente de foto), Vitor Wagner (retouch), Felipe Figueiredo (set design), Lucas Oliveira (nail designer), Aneco Oblangata (produção de moda e styling), Sandro Barreto (beleza), Pedro Calderaro (cabelo). Camila Tuon e Pamela Anastacio/CAPRICHO
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COMO TUDO COMEÇOU

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e frente ao espelho, onde estavam as maquiagens que seriam usadas para a produção das fotos da capa, em novembro deste ano, ela conta que “demorou um tempão” finalizando os seus cachos naquela manhã, com a técnica de fitagem. É assim, inclusive, que ela tem feito nos dias de campeonato, já que gosta de deixar os fios soltos e, geralmente, colocar um boné para completar o look. 

“Mas aí eu ainda tenho que colocar o capacete na hora da competição”, diz com um tom de quem não é muito fã da regra, mas adora o universo da beleza. “Mas isso vai ser por pouco tempo”, pontua como se comemorasse, referindo-se ao fato de que skatistas são obrigados a usarem o equipamento de proteção nas provas até completarem 18 anos. E ela completará a maioridade no dia 4 de janeiro de 2026 ‒ um futuro bem próximo e muito desejado por ela. 

Quando a entrevista começa, no entanto, Rayssa volta ao passado, quando tinha sete anos, e relembra o dia seguinte do vídeo viral que a mãe postou, quando acordou com mais de um milhão de visualizações, uma republicação de ninguém menos que o lendário skatista Tony Hawk ‒ que, neste ano, inclusive, convidou a atleta brasileira para se tornar personagem do seu jogo de skate.

Rayssa reconhece o quão grandioso é tudo que aconteceu quando narra as primeiras vezes em que ela e os pais saíram de Imperatriz para que ela participasse de competições. Na cara e coragem, sem certezas nem recursos necessários. O primeiro campeonato nacional foi em Blumenau, Santa Catarina ‒ quase 3 mil quilômetros de distância de Imperatriz. O dinheiro que a família tinha só garantiu a passagem de ida e um pouco para a alimentação. 

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Fico muito feliz e orgulhosa de mim mesma, dos meus pais, do meu time e de todos ao meu redor que fizeram essa história e fazem essa história acontecer todos os dias.

Para a volta, eles contaram com uma carona com a Confederação até Brasília, onde pegaram um ônibus de volta para o Maranhão, usando o dinheiro arrecadado por meio de uma vaquinha de pessoas que se sensibilizaram com a história. Só deu para comprar duas passagens, para os adultos, e Rayssa, que subiu no pódio em primeiro lugar naquele dia, voltou no colo. “Para mim, parece que não caiu a ficha de tudo que aconteceu na minha vida depois disso”, confessa. 

O pai, Haroldo Leal, escuta as respostas da filha para esta reportagem, sentado em um sofá no camarim do estúdio, localizado na região de Perdizes, São Paulo. Depois de algumas horas de voo, saindo de Imperatriz, os dois desembarcaram na capital paulista naquela manhã de sábado mesmo, direto para a sessão de fotos, onde ele chegou carregando o skate dela.

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Por várias vezes, em uma hora de conversa, Rayssa reforçou o quanto o apoio dos pais foi decisivo para que ela chegasse onde chegou. Desde o começo, quando a ideia de uma garota andar de skate era estranha e até inaceitável para muitos, Haroldo e Lilian acreditaram no sonho dela. E, mais do que isso, “fizeram de tudo e mais um pouco” para que ela conquistasse objetivos que pareciam tão distantes.

Camila Tuon (foto e direção de foto), Pâmela Anastacio (foto e direção de foto), Yago Pontoni (assistente de foto), Nathalia Costa (assistente de foto), Vitor Wagner (retouch), Felipe Figueiredo (set design), Lucas Oliveira (nail designer), Aneco Oblangata (produção de moda e styling), Sandro Barreto (beleza), Pedro Calderaro (cabelo).
Camila Tuon (foto e direção de foto), Pâmela Anastacio (foto e direção de foto), Yago Pontoni (assistente de foto), Nathalia Costa (assistente de foto), Vitor Wagner (retouch), Felipe Figueiredo (set design), Lucas Oliveira (nail designer), Aneco Oblangata (produção de moda e styling), Sandro Barreto (beleza), Pedro Calderaro (cabelo). Camila Tuon e Pamela Anastacio/CAPRICHO

“Fico muito feliz e orgulhosa de mim mesma, dos meus pais, do meu time e de todos ao meu redor que fizeram essa história e fazem essa história acontecer todos os dias”, afirma. A mãe, que um dia sonhou em ser jogadora de futebol e até então não sabia nada sobre skate, mergulhou no esporte por meio de vídeos na internet, para entender as manobras e como preparar a garota para executá-las. Com o caçula, Arthur Leal, ainda um bebê de colo, ela se tornou uma técnica para a filha mais velha, que foi colecionando medalhas ao longo dos anos.

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“Eu sempre fui apaixonada por esporte, joguei bola a minha infância quase toda. Então, quando a Rayssa começou a andar de skate, foi muito fácil para mim entendê-la. A gente ia quase todos os dias para a pista com ela”, conta Lilian. A mãe também reconhece que no início, “tudo era muito novo para eles”.

Rayssa Leal veste:

Full Louis Vuitton; Bonés Nike e Camiseta Comme des Garçons; Colar Ana Lume, Bucket e Saia Papelaria, Camiseta Nike, Meia-calça Calzedonia, Aneis Pandora e Botas Miu-Miu.

“Quando a Rayssa começou a competir, a gente sentiu a necessidade de aprender para poder ajudá-la nos campeonatos. Aí, como a gente não conhecia muito, toda a galera do skate começou a nos ajudar. Nossa maior dificuldade mesmo foi questão de patrocínios.”

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O esforço da jovem e da família rendeu bons frutos logo cedo: Rayssa chegou à seleção aos 10 anos, já vice-líder do ranking nacional. Aos 11, subiu ao primeiro pódio na liga SLS. Venceu os Mundiais da World Skate de 2022 e 2024, faturando o bronze em 2021 e a prata em 2023. Foi ouro no Pan-2023 e nos X-Games de 2022 e 2023.

Hoje, é a única brasileira embaixadora da Louis Vuitton, uma das maiores marcas de moda do mundo; é uma atleta da Nike, além de ter conquistado espaço em campanhas publicitárias de marcas como Vivo e Samsung. Antes mesmo da revista impressa chegar às bancas, Rayssa bateu um recorde mundial: foi a primeira skatista mulher brasileira tetracampeã do SLS.

+CHEGOU ATÉ AQUI? LEIA A ENTREVISTA COMPLETA COM RAYSSA NA CH IMPRESSA (OU ASSINE O GO READ E ACESSE A EDIÇÃO NO APLICATIVO).

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