O estilo mandrake não se resume a roupas e é uma manifestação cultural

A estética vai além dos óculos Juliet e do tênis Mizuno e representa uma riqueza para jovens da periferia

Por Adrieny Magalhães Atualizado em 29 out 2024, 19h00 - Publicado em 1 fev 2023, 16h16
Montagem com o fundo colorido em degradê de lilás e azul com a foto de três mulheres com estilo mandrake no centro da imagem.
O estilo mandrake vai além das roupas, ele é um estilo de vida @tracieokereke/@lluanamaia_/@giovana.dib/Reprodução/Instagram

O mandrake é um estilo que nasceu na periferia, em especial nas quebradas e nos fluxos de São Paulo e da Baixada Santista, mas não parou por aí e naturalmente ganhou espaço ao redor de todo o país. Recentemente, a estética furou a bolha e se tornou uma das mais comentadas e polêmicas do momento.

Nos últimos anos, o estilo que ficou famoso por algumas peças específicas, como camisas de time, óculos Juliet, tênis esportivos e outros, se tornou dress code em festas de influenciadores e trends no TikTok com milhões de visualizações. Mas basta usar esses elementos para ser mandrake? E, afinal, mandrake pode ser definido apenas como um estilo de roupa? Para refletir sobre o assunto, a CAPRICHO conversou com a pesquisadora das artes e estéticas periféricas Mylene Mizrahi.

O que é o estilo mandrake?

É sempre muito difícil determinar a origem de uma gíria, um estilo, uma moda. Isso porque são produções que derivam da criatividade cultural, não há um criador individual responsável pela criação. Dito isso, podemos identificar três origens para o termo que nomeia o estilo indumentário. Primeiro, mandrake é o mágico, aquele que ilude, que é hábil, fascina, em uma palavram, é sagaz. E um sujeito sagaz é, na quebrada, aquele que domina os códigos, que tem a habilidade de conduzir a vida do jeito que lhe atende. É um qualificativo muito valorizado entre a juventude periférica. Mas, mandrake é também um personagem do universo pop, que é fonte de muitas elaborações para a juventude periférica urbana brasileira, em especial a que curte o funk, seja no Rio, em SP ou em Natal. Por fim, mandrake pode ser usado como um adjetivo: significa estiloso, chave, chavoso“, explica Mylene Mizrahi.

A música e os bailes funk

E como o mandrake se popularizou? Segunda a especialista, os bailes funk, que também nasceram nas quebradas, têm total influência na popularização dessa estética – e fica até difícil saber qual deles surge primeiro. “Os bailes são um centro de sociabilidade crucial para essa juventude. É o momento de exibição de si, de se mostrar mais bonito, competitivo, potente, sagaz. É nesses momentos de performance, de trocas, que a estética corporal ganha lugar privilegiado; é o momento de se adornar, maquiar, pentear, vestir.”

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Assim, usar um tênis Mizuno, um boné da Lacoste, óculos da Oakley e outros itens do estilo mandrake, que são considerados itens de luxo na quebrada, vai muito além de criar um look bonito; vestir-se como mandrake na quebrada é sinônimo de superação para os jovens que ali vivem. Na música, esse pensamento é retratado com muito orgulho. Mc Hariel fala que “Nós não ostenta, nós só grita alto a superação”, e o artista Kyan também diz que “Nós não gosta de ostentar, nós só prova que é vencedor”.

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mandrake na moda

Com tantas manifestações culturais acerca do mandrake, ele chega na moda como uma mistura autêntica do que é visto no dia a dia da quebrada e, como já vimos, nos bailes de favela. Mas essa moda não surgiu com o termo, viu? Mylene também conta que, antes mesmo dessa expressão, as características da vestimenta já estavam presentes no cotidiano dos jovens periféricos. Ou seja, os tênis de silhueta esportiva, óculos espelhados, camisas de time, bonés de crochês e outros itens fashion não são de hoje!

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Ah, e diferente do que muitas pessoas fora dessa realidade pensam, o estilo mandrake não é só um. Na verdade, ele é um estilo rico que conta com variações e influências de outros estilos.

“Os tênis são preferencialmente de marcas estrangeiras, disponíveis a todos no mercado, por exemplo. As camisas de time também. O mesmo vale para os óculos Juliet, que têm uma particularidade importante. Da marca Oakley, estrangeira, uma vez no Brasil passou a circular fundamentalmente entre os jovens das periferias nacionais. Ele é de fato um ícone do que venho desse ‘gosto periférico’ que é altamente criativo”, diz Mylene. “Então, o que vemos esses jovens fazerem com muita habilidade é tomar para si e dar sentidos próprios a itens de moda que são produzidos pelo sistema de moda global e consumidos nos grandes centros e em espaços que chamaríamos de hegemônicos”, completa a pesquisadora.

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Ou seja, o mandrake também é sobre ressignificar marcas, símbolos e figuras. Ser mandrake não é vestir roupas de uma determinada marca ou com certa estilização, cada um tem seus gostos pessoais, certo? Dentro da periferia, tudo gira em torno da criatividade, principalmente devido a fatores socioeconômicos, que cria a necessidade desses jovens se encontrarem na moda de um jeito ainda mais inovador.

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A dupla de cantoras Tasha e Tracie são referência quando o assunto é moda, e elas já declararam algumas vezes que toda essa expertise para criar looks autênticos veio de uma vontade de ter um visual diferente na quebrada, e que, por isso, passaram a customizar a costurar suas próprias roupas.

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E de onde surgem os estereótipos?

A verdade é que grandes manifestações culturais sempre vão incomodar. A antropóloga Mylene Mizrahi destaca que é daí que surgem os estereótipos. “Os estereótipos se formam sempre que alguma manifestação desafia o que é considerado como norma. E, de fato, a juventude periférica brasileira é de uma potência ímpar, e isso incomoda.”

Ainda de acordo com a especialista, o mandrake desafia o conceito de moda e estilo de vida de muitas pessoas, seja pela sua linguagem (as gírias), pelo seu gosto musical (o funk), seja pela estética corporal, pela relação com sexo e sexualidade, seja pela própria presença de jovens que, em sua grande maioria, são pretos e pardos em ambientes midiáticos, os quais tradicionalmente foram ocupados pela juventude branca de classe média.

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O problema é que esses estereótipos que vemos na mídia são usados para discriminar, para exercer preconceito e até racismo. Nas festas de influenciadores e trends nas redes sociais, muitas vezes o jovem mandrake foi usado como uma fantasia, mas o estilo representa, na verdade, uma riqueza para os jovens de periferia.

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Mandrake é um meio que os jovens da quebrada encontraram de se mostrarem para o mundo, de terem controle da própria vida (apesar do preconceito), de criarem seu sucesso, desafiarem o racismo e ganharem espaço em cenas como a musical, que antes não eram ocupadas por eles. “É por meio da beleza corporal e da aparência que eles se mostram no mundo, como se entendem nesse mundo e entendem esse mesmo mundo”, conclui Mylene.

Quem colaborou nesta matéria: Mylene Mizrahi, antropóloga e pesquisadora das artes e estéticas periféricas. 

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