Junho de 2013 e o legado pelo ‘direito à cidade’ para a nossa juventude

Há dez anos, as "Jornadas de Junho" mudaram muita coisa e tem efeitos políticos até hoje

Por NAIARA ALBUQUERQUE Atualizado em 29 out 2024, 18h35 - Publicado em 30 jun 2023, 16h12
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nde você estava em junho de 2013? E pelo que reivindicavam as pessoas que foram às ruas nessa data? “Não é só pelos R$ 0,20 centavos” e o “Gigante acordou” foram algumas das frases que pipocaram nos cartazes dos manifestantes que participaram desse evento que entrou para a História do nosso país e deixou legado e contradições para a nossa juventude.

Caso você não se recorde, os protestos que deram início à chamada “Jornadas de Junho” há dez anos, aconteceram inicialmente pelo aumento de passagem de ônibus em R$ 0,20 na cidade de São Paulo. Em pouco tempo, porém, as manifestações chegaram a outras capitais do país e logo se tornou um espaço para reivindicar não só esse ponto, mas para expressar insatisfações gerais na Saúde, Educação e, também, contra a Copa do Mundo que o Brasil veio a sediar em 2014.

Para a nossa geração, que nasceu em meados de anos 2000, porém, a memória desses protestos pode aparecer de forma tímida ou até confusa (talvez até aqui você esteja se perguntando: mas do que você está falando, CAPRICHO?). Mas o fato é que existe um divisor de águas para as mobilizações que vieram depois, como o movimento de estudantes secundaristas de 2015 – beneficiado, por exemplo, pelo passe livre estudantil alcançado após tudo isso que aconteceu em 2013, viu?

Bora fazer um mergulho histórico com quem viveu todo esse período? Para isso, a gente foi conversar com Roberto Rolim Andrès, que é urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele acompanhou o estopim de Junho de 2013 em Belo Horizonte, capital mineira, e também no Brasil como um todo. 

Ah, e importante ressaltar aqui: dez anos após ter vivenciado toda essa movimentação, ele publicou um livro em que analisa os fatores que levaram aos protestos chamado ‘A razão dos centavos’, pela Editora Zahar (R$ 84,66, Amazon)*

“Lembro de sentir que existia uma demanda por direito à cidade. E aí eu lembro que viajei para Roma e fiquei dois dias sem olhar a internet. Quando eu cheguei lá, o Brasil que eu existia havia implodido”, com Andrès em um papo super explicativo por telefone com a reportagem da CAPRICHO.

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“A gente não sabia exatamente o que ia acontecer no dia seguinte, sabe? Todas as pessoas passaram a ficar vidradas, e a acompanhar as mobilizações e manifestações, além de toda repressão policial. E a comunicação naquela época era muito focada no Facebook.”

Pois é, hoje o Facebook parece peça de museu, né? Mas, imagina só tudo isso acontecendo hoje com a chegada de outras redes sociais? E olha só o que mais ele contou sobre toda essa movimentação:

“Tinha muita gente abaixo dos 25 anos que estava indo em um protesto pela primeira vez na vida. A gente não fala de Junho de 2013 como a revolta do centavos ou a Revolta do Busão como a gente fala de 1984 como Diretas Já. Isso porque a pauta política de Junho de 2013 ficou mais enigmática.”

Tão enigmática que até hoje pesquisadores como ele seguem estudando tudo o que rolou (e olha a gente aqui falando sobre isso também, né?). Conversamos com Andrès sobre os pontos-chave para entender tudo o que a envolveu os protestos.

Vem ler a entrevista completa abaixo:

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CAPRICHO: Você se lembra o que sentiu de ver as manifestações acontecendo? Quais eram as expectativas?

Roberto Andrès: A estabilidade a qual estávamos acostumados parecia não existir mais. A gente não sabia exatamente o que ia acontecer no dia seguinte, sabe? Todas as pessoas passaram a ficar vidradas, e a acompanhar as mobilizações e manifestações, além de toda repressão policial. E a comunicação naquela época era muito focada no Facebook.

Lembro da sensação de surpresa por estar vivendo a história e vendo ela acontecer. São aqueles momentos que ficam marcados como momentos de mudança.

CH: Como você vê a pauta de mobilidade sendo debatida na época e como ela vem sendo debatida hoje? A gente tem cidades no Brasil que já tem tarifa zero, por exemplo.

Roberto Andrès: A mobilidade urbana piorou muito nesse período. Em muitas cidades o tempo médio de deslocamento nos ônibus dobrou. Em BH, por exemplo, esse tempo passou de 36 minutos para quase uma hora, ou seja, é um problema real, mas que a sociedade não debatia na época. Com Junho de 2013, a imprensa e as pessoas começam a falar sobre a questão do transporte, que pode ser sintetizada na frase ‘não é só pelos R$0,20 centavos’.

Eu estudei sobre as rebeliões pelo transporte no Brasil. A primeira delas foi em 1880 e aconteceram várias ao longo do século 20. E todas elas têm algo em comum: elas pegaram os políticos de surpresa, todas elas abalaram a popularidade do governo e geraram dias de muita fúria, com as pessoas quebrando ônibus e arrancando paralelepípedos do chão, por exemplo.

A cidade de Caeté, em Minas Gerais, enfrentou uma baita crise do transporte público durante a pandemia de covid-19 porque caiu o número de usuários e reduziu a receita da empresa responsável e o prefeito não sabia qual solução daria. Foi então que eles viram uma oportunidade para implementar a tarifa zero, a partir da ideia de um dos participantes dos protestos de junho e da tarifa zero em BH. Eles testaram essa política [de tarifa zero] e foi um sucesso. Hoje, a gente tem uma série de cidades na região metropolitana de Belo Horizonte que implementam essa solução. Esse é um exemplo de como uma movimentação social trouxe mudanças institucionais. Elas nem sempre são imediatas, mas trazem mudanças de mentalidade que vão se desdobrar lá na frente.

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Tinha muita gente abaixo dos 25 anos que estava indo em um protesto pela primeira vez na vida. A gente não fala de Junho de 2013 como a revolta do centavos ou a Revolta do Busão como a gente fala de 1984 como Diretas Já. Isso porque a pauta política de Junho de 2013 ficou mais enigmática

Roberto Andrès, urbanista e professor da UFMG

No Brasil, temos 74 cidades que implementaram a tarifa zero. E é gigante o que isso significa para juventude, de poder sair à noite, de poder ir para uma praça, um shopping, para casa de algum amigo, para escola. É um monte de gente que tá podendo fazer coisas que antes não fazia.

CH: Vamos aprofundar isso que você falou. Qual foi o impacto dessa mobilização para a nossa galera?

Roberto Andrès: As passagens no Brasil são caríssimas para o padrão de vida da maioria da população que mora nas periferias e que às vezes tem que pegar dois ônibus para se locomover. Trata-se de uma libertação sócio-cultural que a gente ainda está começando a entender. Temos relatos de quem esteve nas revoltas secundaristas em São Paulo, em 2015, e falou sobre a importância do passe livre para estudantes, que já tinha sido implementada graças a 2013.

As pessoas que participaram do movimento [das revoltas secundaristas] contam que foi muito importante essa medida do passe livre para que os estudantes pudessem circular livremente pela cidade. Ou seja, os resultados são muito variados e traz essa emancipação, uma liberdade de uso da cidade e de organização para batalhar por causas.

Homem com camisa estampada ao lado de livro amarelo e vermelho escrito 'a razão dos centavos'
Roberto Andrès publicou o livro ‘A razão dos centavos’, sobre Junho de 2013, neste ano Arquivo Pessoal/Reprodução
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CH: E sobre as pautas difusas que nasceram em 2013?  Como você enxerga esse surgimento de pautas e como isso de alguma forma também dificultou o movimento como um todo naquele período?

Roberto Andrès: Eu mapeei mais de 6 mil cartazes que foram expostos nas ruas justamente para poder ter um raio-x do que aconteceu naquelas manifestações entre os dias 17 e 20 de junho. E nesse período podemos ver quatro grupos que apareceram com muita força: um sobre mobilidade urbana, outro sobre copa do mundo, outro pela saúde e educação e um último pela anticorrupção

Além disso, tinha um quinto grupo, que pouca gente lembra, com uma agenda feminista e LGBT expressiva contra o Marco Feliciano, que era presidente da Comissão de Direitos Humanos e que tinha uma proposta absurda de cura gay.

Tinha muita gente abaixo dos 25 anos que estava indo em um protesto pela primeira vez na vida. A gente não fala de Junho de 2013 como a revolta do centavos ou a Revolta do Busão como a gente fala de 1984 como Diretas Já. Isso porque a pauta política de Junho de 2013 ficou mais enigmática. E isso dificultou a organização dos movimentos, principalmente pela repressão policial que veio em seguida.

E a repressão veio muito forte. Às vezes a gente não se lembra dela, mas muita gente foi presa e revistada. Já no início de 2014, houve muitos protestos em São Paulo e no Rio de Janeiro que a polícia chegava e prendia mais de 100 pessoas de uma só vez com muita truculência. Isso tudo foi minando esses movimentos com a chegada da Copa do Mundo.

CH: E você acha que dá para repetir o feito de 2013? Será que teremos manifestações nessa mesma proporção novamente? E seriam elas despertadas pelo transporte e mobilidade urbana de novo?

Roberto Andrès: A história não tem marcha ré, né? O encontro para que Junho de 2013 acontecesse é muito específico, e é único na história do país.

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A gente acompanhou entre 2002 e 2010 a inclusão de dezenas de milhões de famílias, essas pessoas saíram do patamar básico da extrema pobreza de não ter o que comer. Essas mesmas pessoas passaram a ter acesso à internet e acesso à cultura. Formou-se uma geração que passou a aspirar uma forma de vida mais robusta. Elas não estão mais lutando contra fome, já querem sair da universidade e ter um bom emprego, elas querem ter um transporte de qualidade, Educação e Saúde de qualidade.

Esse choque foi muito característico daquele período. As pessoas passaram a aspirar mais. O próximo ciclo de rebeliões que a gente tiver muito provavelmente vai ser muito diferente das anteriores, né? Agora, o tema do transporte sempre pode acender revoltas.

*Preços consultados em 30 de junho de 2023. Sujeitos a alterações. As compras feitas através destes links podem render algum tipo de remuneração para a Editora Abril.

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