Natália Lara dá voz às garotas que sonham em quebrar barreiras no futebol

A narradora do SporTV fala sobre início da carreira, desafios e expectativa para a Copa do Mundo Feminina 2023

Por Juliana Morales Atualizado em 29 out 2024, 18h34 - Publicado em 1 jul 2023, 20h31

Por muito tempo, o famoso grito de “gol” do futebol tinha voz e timbre exclusivamente masculino. Mulheres precisaram furar muitas “defesas” para conseguir driblar o machismo e ir aos poucos ganhando espaço nas cabines de transmissão. Ainda há muito que avançar, sim, mas escutar vozes potentes como a da Natália Lara, narradora do SporTv, mostra que o futuro promete um grande resultado para todas nós.

“Ter uma mulher narrando uma partida de futebol quebra uma cultura que até pouco tempo nem era contestada. Ninguém perguntava o porquê não tinha mulher neste ambiente”, diz Natália em entrevista à CAPRICHO. O papo aconteceu na manhã de uma quinta-feira, antes de um jogo do Grêmio e América-MG pelo Brasileirão masculino. Ela contou desde o sonho de ser jogadora de futebol na infância até a expectativa para narrar a Copa do Mundo de Futebol Feminina, que começa no dia 20 de julho.

Natália, dona dos bordões “professor, anota lá que é dele(a)” e “Tá no chão”, narrou pela primeira vez durante uma aula na faculdade de Rádio e TV. Depois disso, o seu interesse por locução, em geral, só foi aumentando. Já formada, decidiu se inscrever em um curso na área esportiva, sendo a única mulher da classe.

A jovem trabalhou na Copa América feminina de 2018, fazendo transmissões nas redes sociais da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Depois, narrou diferentes modalidades no Panamericano Universitário. No futebol feminino, fez o Paulistão e Brasileirão e, assim, Natália foi ganhando mais visibilidade. Ela passou por grandes emissoras, como Cultura e ESPN, até chegar ao SporTV, onde foi a primeira mulher a transmitir uma Copa pelo canal.

Confira a entrevista completa!

CH: Você sempre gostou de esporte? Como era sua relação com o futebol na infância e adolescência?

Natália: Meu sonho era ser jogadora de futebol. E, felizmente, meus pais nunca fizeram a diferenciação de que isso é brincadeira de menino e aquilo de menina. Quando eu era criança, não tínhamos muito dinheiro, éramos uma família humilde que morava na zona leste de São Paulo. Não vou dizer que eu tinha tudo que eu queria, mas eu podia brincar com quem e do que eu quisesse. Meus pais me deram boneca, bola e carrinho.

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No condomínio onde morávamos tinha uma quadra e eu jogava bastante com os meninos e, de vez em quando, algumas amiguinhas apareciam para brincar lá. Meu pai jogava comigo também e sempre foi muito ligado, principalmente, em futebol e automobilismo. Então eu cresci acompanhando muitas modalidades.

Depois, eu passei a jogar bola na escola, até participava de campeonatos, mas não tinha o incentivo de me levarem em peneiras e esse tipo de coisa. Uma vez fomos ver o preço e como funcionava uma escolinha de futebol, que tinha na esquina da minha casa, mas era só para meninos. No fim, acabei não desenvolvendo o futebol. Com o passar do tempo, fui jogando menos e menos até aquele momento que muitas garotas enfrentam de se distanciar por acreditar que não pertence àquele mundo.

CH: E depois que você cresceu e passou a fazer parte desse mundo como narradora, como a questão do machismo te atingiu?

Natália: Infelizmente, nós precisamos lidar diariamente com ataques por simplesmente ser mulher e estar nesse ambiente ainda dominado por homens. Acho que não tem um dia que eu não entre nas minhas redes sociais e não me depare com comentários pejorativos. Hoje de manhã mesmo, no meu Instagram, apareceu um comentário falando que eu vou narrar a Copa do Mundo de futebol feminino, “mas ninguém liga”. Eu, particularmente, não entendo o que motiva alguém a fazer esse tipo de coisa, então eu sou da filosofia do bloqueio. Não é que eu seja intolerante a opiniões, mas eu sou, sim, intolerante a comentários machistas. 

CH: Diante desse ambiente em que a presença masculina era (e ainda é) dominante, como você buscou referências femininas na narração no início da sua carreira?

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Natália: Em dado momento da minha vida, eu fui pesquisar e tentar conhecer a história das mulheres na narração esportiva. A pioneira foi a Zuleide Ranieri, na Rádio Mulher, que, inclusive, era um projeto que tinha tudo para dar certo, mas foi conduzido da forma errada. O problema é que não temos registros do trabalho dela. Cheguei a conversar sobre isso com a Luciana Mariano, que foi a a primeira narradora de futebol da televisão brasileira nos anos 90. Ela falou que para ela também é muito triste saber que as primeiras narrações de mulheres se perderam no tempo. 

Além da representatividade, isso foi um desafio no começo até por questões práticas mesmo. Acabava me pautando somente em vozes masculinas, só que tinham vogais que não ficavam legais para mim ou algumas palavras não combinavam com o meu timbre. Assim como o público passou muito tempo só vendo um biotipo e escutando um tipo de voz, eu também tinha a sensação que precisava criar um novo timbre dentro de um formato muito bem consolidado que é a narração esportiva. E fazendo isso, quebramos uma cultura que até pouco tempo nem era contestada. Ninguém perguntava por que não tinha mulher naquele ambiente.

@capricho

Estamos em clima de Copa!! Começou hoje o maior torneio para a modalidade feminina e a narradora Natália Lara te dá 3 motivos para acompanhar esse evento! #copafeminina #futebol #copadomundo

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CH: Você acha que agora, com mais mulheres, esse cenário já melhorou? E quais são as expectativas para o futuro em relação a isso?

Natália: Eu tenho uma perspectiva de médio a longo prazo otimista. Mas ainda estamos passando por um momento de conquista de espaço, é um longo caminho pela frente. Eu acho que já consolidamos a nossa presença, sim, mas ainda tem muita gente que não nos conhece. Por outro lado também, recebemos mensagens legais do tipo: “pô, foi a primeira vez que eu ouvi uma mulher narrar e gostei muito”.

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Eu fico pensando que as gerações mais novas já estão crescendo nesse cenário onde tem mais mulheres no mercado esportivo e do entretenimento. Para eles, a nossa presença é normal. Com isso, a tendência é que cada vez mais garotas tenham interesse em jogar e também fazer parte da imprensa esportiva. 

CH: Como está a ansiedade para a Copa do Mundo de Futebol Feminino? O que você espera?

Natália: Eu acho que essa copa vai ser muito especial e histórica, não só porque a edição de 2019 foi uma virada de chave e a desse ano vai ter um peso ainda maior, mas também pela forma que está sendo organizada. A gestão da Nova Zelândia e Austrália fizeram todo um estudo estatístico de venda de ingressos, de impacto social e de audiência de televisão. Eles querem deixar um legado da Copa do Mundo para as novas gerações, inspirando essas meninas.

O Brasil é uma potência para audiência. Os horários dos jogos nossa seleção são em horários acessíveis. Tem muitos jogos ali na faixa de 23h, meia-noite e 1h da manhã, também vão rolar partidas 6h, 7h e 8h, que manhã que vão facilitar muito a vida da galera que trabalha aqui e não dá para ficar acordado de madrugada. Mas quem gosta de madrugar também faz aquele café lá e vai dar tudo certo!

 

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