O universo potente e belo que Alice Pataxó deseja para os povos indígenas
Aos 22 anos, ela acredita que nós, a juventude, precisamos nos 'empoderar' além do olhar que nos retira das discussões importantes
om recém completados 22 anos, os sonhos de Alice Pataxó são focados no presente e não tanto no futuro. E esse universo é construído todos os dias, com pequenos passos dados por ela em direção a uma realidade que reforce a potência e a beleza da luta de seu povo e de sua cultura de uma forma ampla. Além de tudo isso, “é preciso paciência e cautela com o cenário político que vivemos”, destaca a jovem ativista.
Aos 14 anos, a história de Pataxó começou no movimento estudantil, em meio a mobilizações para levar grêmios estudantis para escolas em regiões afastadas na Bahia. Desde então, ela não parou mais. Atualmente, ela se divide entre a luta por direitos sociais e políticos, o curso de Direito, a vida pessoal e, claro, os eventos dos quais é convidada – em 2021, ela participou da 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-26), em Glasgow, na Escócia.
Ufa, quanta coisa, né?
Pataxó cresceu na aldeia Mata Medonha, localizada no Sul da Bahia. A CAPRICHO bateu um papo descontraído e muito aberto com ela sobre a potência da luta indígena, MP da Mata Atlântica (que propõe a flexibilização do desmatamento), marco temporal, a crise no Ministério do Meio Ambiente e tantas outras pautas que vem surgindo no noticiário político nos últimos meses – e que são tão importantes para nós.
”Estamos vivendo momentos difíceis agora e não por conta da presidência. A gente tem que lembrar disso porque muita gente nos julga por termos apoiado a candidatura do Lula. Precisamos entender a democracia e as mudanças no cenário político: quem são os nossos representantes e o que eles defendem? Quais as pautas que os movimentos estão tentando derrubar? A gente pode ter tirado o Bolsonaro do poder, mas o bolsonarismo não acabou”, afirmou.
Leia a entrevista completa com ela:
CAPRICHO: Como começou a sua história com mobilizações sociais?
Alice Pataxó: Bom, eu sempre participei das atividades dos movimentos indígenas e a gente começou a se mobilizar para criar e trazer grêmios estudantis para as escolas na Bahia. Depois, a gente conseguiu levar um congresso da União da Juventude Socialista (UJS) para a minha aldeia com a ajuda da prefeitura. Foi um encontro maravilhoso e foi a partir daí que a gente conseguiu dialogar com o movimento estudantil da região e com a comunidade indígena.
Você sentia o peso da responsabilidade?
Foi um período muito divertido até eu entender que era muita responsabilidade. Desde o início a gente levava com seriedade o que a gente tava fazendo, mas eu ainda não tinha dimensão do que isso significava, como era o impacto disso para as nossas aldeias. Acho que isso foi o que mudou com o tempo: eu comecei a entender tudo isso e foi um pouco assustador.
Quais são as principais pautas desse mês do Meio Ambiente?
Neste ano, eu acho que a gente precisa falar muito sobre o desmonte ambiental que vem acontecendo. Não só sobre as MP relacionadas às explorações na Amazônia, mas também dos territórios indígenas, então acredito que essa vai ser uma bandeira que a gente vai levantar muito.
E também temos que nos preparar para o futuro: O Brasil vai sediar a COP-30, então acredito que isso vai entrar muito em debate e eu espero que entre realmente porque temos vivido muitos retrocessos. Agora, será mesmo que a gente é um país que está pronto para sediar um evento como esse e falar sobre meio ambiente quando a gente vem fazendo tantos desmontes de modo acelerado? Espero muito que todos esses assuntos entrem na pauta e que a gente consiga dialogar sobre a atitude do Congresso daqui pra frente.
E a questão do marco temporal? Por que isso é tão problemático?
É um assunto complexo, principalmente pela falta de diálogo com as comunidades. Isso me deixa muito preocupada, principalmente pelo possível acesso aos nossos territórios e a perda da nossa autonomia. Na prática, estamos falando sobre as mudanças na nossa rotina, do nosso dia a dia, e também sobre a tradição de povos tradicionais, né? Estamos falando sobre uma tentativa de silenciar os povos indígenas, de mudar o cotidiano e as relações que eles têm dentro de seus territórios.
A gente viveu tanta coisa nos últimos anos. Do governo Bolsonaro ao Lula. E ainda uma pandemia. Quais pautas perduraram nesse período?
Durante a pandemia de Covid-19, a gente conseguiu, com ajuda da tecnologia, mostrar para as pessoas muitos problemas nas nossas aldeias que não são só em relação ao território.
Por exemplo, a nossa saúde e o nosso processo com a medicina tradicional nas comunidades e de como a Educação tem sido uma ferramenta muito importante para nós não só pela garantia dos nossos direitos, mas também de colaborar para que as nossas crianças também tenham oportunidade de entrar na universidade.
Eu gosto de falar o seguinte: Vivemos duas situações muito distintas: uma de muitos retrocessos que estamos lutando até agora, e outra de encontrar nesses últimos anos nas redes sociais um espaço onde a gente pode mostrar a nossa arte, aquilo que é bonito dentro das comunidades. Muita gente associa as comunidades indígenas a extrema pobreza a uma relação muito doente. Uma ideia muito colonial, né?
E aí a gente encontra esse espaço para falar sobre aquilo que nos faz bem, sobre o que é viver em comunidade e a diversidade entre os povos.
Estamos vivendo momentos difíceis agora e não por conta da presidência. A gente tem que lembrar disso porque muita gente nos julga por termos apoiado a candidatura do Lula. Precisamos entender a democracia e as mudanças no cenário político.
Quem são os nossos representantes e o que eles defendem? Quais as pautas que os movimentos estão tentando derrubar? e entender as razões. A gente pode ter tirado o Bolsonaro do poder, mas o bolsonarismo não acabou.
Infelizmente, quando a gente fala sobre feminismo no Brasil, a gente olha para um espaço elitizado que não pensa nas diversidades que existem dentro do movimento. Isso acaba não levando em conta a fala das mulheres indígenas.
Alice Pataxó
Você falou que muitas vezes as pautas podem acabar ficando restritas ao que não é belo. Para você, o que é bonito em tudo que você já viveu e presenciou até hoje?
A gente estava em Brasília no mês passado e eu comentei com meus amigos sobre como gosto de ficar observando as coisas porque é uma oportunidade de reunir muitos povos e conseguir contato com eles ao mesmo tempo. A gente fez muitas amizades novas com outros povos que eu não tinha conhecimento e foi um momento muito legal, porque assim a gente começou a entender quem era cada um ali, sabe? E como diferenciamos cada um.
Principalmente entender o modo como cada pessoa vê a vida. Uma cena que me marcou muito foi no penúltimo dia que eu estive em Brasília. Começou a cair uma chuva muito forte que ninguém estava esperando. Todo mundo começou a correr desesperado e uma pessoa me perguntou: cadê seu povo? Eu respondi que não sabia.
E eu encontrei eles num estande e tava todo mundo cantando e dançando enquanto a chuva caía. Eu parei e pensei: é isso, não dá pra gente mudar o que está acontecendo, e qual diferença vai fazer ficar desesperada ou não? Eu larguei tudo lá e fui dançar com eles.
Mas eu tenho muito esse sentimento também quando volto pra casa.
A galera limita a gente como se o artesanato fosse a única coisa que temos a oferecer. Mas temos tantas coisas que vão muito além disso, sabe? A gente tem toda uma relação espiritual com todo o processo social de como a gente vive dentro e fora da comunidade.
Como você vê a importância dos jovens se engajarem na luta indígena e em defesa pelo clima?
Tem duas coisas que levo muito comigo. Eu aprendi ainda muito nova no movimento que os jovens de hoje são as lideranças do amanhã.
E a gente não pode esperar que essas pessoas cheguem despreparadas para cuidar do nosso povo. Existe todo um processo de se entender como algo, de estudar. É mais ou menos o que acontece também com a juventude indígena. Nos últimos tempos eu tenho visto de um jeito muito bonito o quanto de gente vem se fortalecendo e criando seus próprios movimentos dentro do movimento para fortalecer a gente num todo.
E vem nascendo grandes lideranças desses espaços. Às vezes pode parecer bobagem, mas eu falo com muito orgulho disso porque a gente vê que a juventude precisa realmente se engajar e se empoderar daquilo que ela é independente dos olhares e das outras pessoas de fora.
A galera limita a gente como se o artesanato fosse a única coisa que temos a oferecer. Mas temos tantas coisas que vão muito além disso, sabe?
Alice Pataxó
Como você vê o feminismo?
Infelizmente, quando a gente fala sobre feminismo no Brasil, a gente olha para um espaço elitizado que não pensa nas diversidades que existem dentro do movimento. Isso acaba não levando em conta a fala das mulheres indígenas. A principal bandeira que levantamos é em relação ao território. Porque como é que eu vou garantir a saúde da mulher, a educação da mulher e o protagonismo dela dentro do território? Nós levantamos muito isso nos debates, porque muita gente tem ideia de que a mulher indígena é uma mulher submissa dentro de uma cultura que reprime.
Muita gente tem essa ideia sobre outras culturas de que nós somos completamente envoltos pelo o que os homens pensam. E não é realidade. Nós temos muitas mulheres que são lideranças que são caciques. E isso tem acontecido cada vez mais. Quando eu era criança, eu só conhecia uma mulher que era cacique e hoje em dia eu conheço várias.
E o que você sonha para o futuro?
A gente tem muitos planos para o futuro que a gente gostaria que se concretizasse, mas eu não sou muito uma pessoa que sonha com isso, eu gosto muito da ideia de correr atrás do que eu quero agora. Com pequenos passos. Eu aprendi a ter paciência nos movimentos, porque eu não sou uma pessoa assim e às vezes eu me desespero muito fácil. E a gente precisa ter um pouco dessa leveza de entender que tudo tem o seu tempo e o seu momento.