Os gritos de rebeldia da juventude negra pedem mudança
Não foi a geração dos meus pais e talvez não seja a nossa. Mas espero que os nossos gritos de rebeldia - como esse texto - sejam uma ferramenta de mudança
Venho de um lugar em que ter esperança pode ser um bote salva vidas. Mas nem mesmo esse sentimento – que é um respiro de alívio em meio às adversidades e uma fonte de combustível para o dia a dia – , é capaz de bater de frente com uma estrutura racista e antidemocrática como a que vivemos hoje. O meu questionamento hoje nesse texto para a CAPRICHO é de uma rebeldia alojada em meu peito que pergunta “que país é esse?” sobretudo, para você “pretim”, assim como eu.
O Brasil, o país do futebol, do samba, da alegria é também uma terra do ódio, do terrorismo e da violência. Após exatos 7 dias após a cerimônia de posse do presidente Lula (PT), em que a faixa presidencial foi passada a ele por representantes do “povo brasileiro”, apoiadores do ex-presidente Bolsonaro (PL) invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal e destacaram o quanto o passado ainda reflete no presente. Não sai de moda, é atemporal.
O ataque terrorista disfarçado de manifestação mostrou novamente que existe apenas um único rosto tomado como vilão da história: um que se assemelha ao meu e a de milhares de jovens negros e periféricos como você, que lê esse texto. Pois é. Ainda hoje somos vistos como uma ameaça inconfundível, enquanto “cidadãos do bem” passam impune a atos como o que assistimos. Djonga já dizia: “O cidadão de bem é a origem do mal. Vê bem quem é o santo no seu pedestal, recebendo mensagens no seu Nextel, de esquema indevido e falando de moral”.
Esse é mais um dos privilégios de tantos outros que passam bem longe da ponte pra cá. Só preto é bandido e tem seus pertences confundidos com arma de fogo. Não posso deixar de pensar no banho de sangue que seria se os personagens desse cenário desastroso que vimos em Brasília (DF) fossem meu pai, meu tio ou meu irmão, todos homens negros.
Um novo cenário?
Após quatro anos sendo passados em “branco” – exceto pela bala perdida que sempre encontra os nossos corpos negros e pelo cassetete policial – nós pudemos ver no horizonte uma possibilidade mudança como alicerce do ato de se esperançar (um conceito que foi criado pelo Paulo Freire, viu? Aqui tem uma explicação).
Este foi um sentimento diferente, que para alguns foi vivenciado pela primeira vez – alô você que acompanhou o CH na Eleição e votou em 2022. Nosso choro ao assistir à homenagem ao povo brasileiro na posse do dia 1 de janeiro não foi de tristeza ou de angústia, mas sim por vislumbrar a oportunidade de protagonizar a luta por direitos e anseios. Nós fomos ouvidos. Para nós, pessoas pretas, esse lugar de escuta, é uma forma de se manter vivo, não só sobrevivente.
Quando, se não agora, que minha geração, poderia viver esse momento emblemático? Com personalidades negras, sobretudo mulheres, nas principais tomadas de decisões e ocupando a bancada, a presença da forte luta dos povos indígenas, demarcando um território que é nosso por direito [a colunista se refere à Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e Sônia Guajajara, ministra dos Povos Originários].
Mesmo enxergando esperança, após o dia 8 de janeiro é difícil nos “esperançar”. Esse momento foi a personificação do açoite em nossas costas e de quanto a política de extermínio de pessoas pretas é tão viva. E, isso machuca, sangra. Me questiono: que liberdade é essa que nos “deram”? Não foi hoje e talvez não seja amanhã. Não foi a geração dos meus pais e talvez não seja a nossa. Mas espero que os nossos gritos de rebeldia – como esse texto – sejam uma ferramenta de mudança, porque haverá um momento que terroristas, não passarão. Por aqui, seguimos gritando, em forma de protesto.
*Oiê, leitora de CAPRICHO. Este texto foi escrito por uma colaboradora do nosso site voltado ao público jovem com a intenção de diversificar o nosso público e trazer discussões significativas para a juventude refletir o mundo de hoje. Ele não necessariamente reflete o posicionamento editorial do Grupo Abril.