Dossiê “Óleo no Nordeste”: das praias poluídas às pessoas intoxicadas

Já se sabe qual foi a origem do crime ambiental? O que está acontecendo nas praias do Nordeste agora? Confira tudo nesta matéria.

Por Isabella Otto Atualizado em 31 out 2024, 01h13 - Publicado em 26 out 2019, 10h03

No dia 2 de setembro, as primeiras manchas de óleo no Nordeste aparecem no litoral de Alagoas e Pernambuco. A origem do que hoje já é considerado o maior crime ambiental do litoral brasileiro ainda é incerta, mas uma pesquisa realizada recentemente pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, encomendada pela Marinha, mostra que, possivelmente, o início da tragédia ocorreu no dia 14 de junho.

Reprodução/Reprodução

Os cientistas usaram uma tecnologia que permite rastrear as manchas de óleo e fazer o caminho inverso delas, tentando assim chegar até onde tudo começou, levando em consideração fatores naturais, como correntes marítimas e de vento, e temperatura da superfície da água. A conclusão mais provável é que tenha ocorrido um acidente durante algumas operação conhecida como “ship-to-ship”, que é quando algum tipo de carga, no caso, óleo, é transferido de uma embarcação para outra em alto mar.

Até esta semana, mais de 60 cidades e 140 praias já haviam sido atingidas pelas manchas, algumas bastante populares, como a Praia do Forte e o Morro de São Paulo, na Bahia, Maragogi e São Miguel, em Alagoas, Canoa Quebrada e Jericoacoara, no Ceará, e Boa Viagem, Porto de Galinhas e Praias dos Carneiros, em Pernambuco. Estima-se que o rastro poluente, que já tem mais de 2 mil km de extensão, tenha seu ponto mais ao norte no Maranhão e o mais ao sul na Bahia. Foram encontradas também manchas no Rio São Francisco e um monitoramento está sendo feito em Fernando de Noronha.

 

Na última quarta-feira, 23, Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, disse que 1.500 novos oficiais foram escalados para ajudar os já 3.500 que atuam no combate às manchas de óleo, comandados pelo Ibama, pela Marinha e pela Agência Nacional de Petróleo. Mais um vez, Salles deu a entender que acredita que o desastre tenha sido causada por algum petroleiro venezuelano. O presidente Jair Bolsonaro também já garantiu que a Venezuela é a grande culpada. O que acontece é que, de acordo com um estudo realizado pela Universidade Federal da Bahia, no último dia 10, em parceria com a Universidade Federal do Sergipe, foi detectada nas manchas a presença de carbono e de biomarcadores que muito se assemelham a um dos tipos de petróleo produzidos na Venezuela. Segundo nota da Agência Brasil, à pedido de Bolsonaro, uma solicitação formal foi encaminhada à Organização dos Estados Americanos, pedindo uma atitude do país que faz fronteira com o Brasil sobre as amostras coletadas. Na última sexta-feira, 25, a Petrobrás identificou que três campos petrolíferos da Venezuela estão ligados a origem do óleo . A Venezuela, até o momento em que esta matéria foi publicada, continua a negar as acusações e diz que não recebeu nenhuma solicitação formal da OEA.

Continua após a publicidade

O ministro ainda atacou o Greenpeace, umas das organizações não-governamentais mais famosas do mundo, que, também na última quarta-feira, 23, derramou óleo em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, em ato contra o, segundo os manifestantes, descaso do Governo com o que está acontecendo no Nordeste. “Tem várias instituições que estão fazendo bons trabalhos e nós temos feito toda a boa relação e apoio, enfim, parceria com eles. Agora, aqueles que querem, a exemplo desse Greenpeace, que foi dizer que não podia ajudar a limpar as praias, quer dizer, tirou totalmente qualquer possibilidade de cooperação e ainda veio sujar o Palácio do Planalto, não tem colaboração possível. Porque eles não querem diálogo. Aliás são bons de levantar dinheiro, mas de trabalhar que é bom…”, deu Salles a indireta.

A questão é que as ações do Governo não estão se mostrando efetivas no controle das manchas, que continuam se espalhando mar afora. Por isso, muitos civis estão atuando por conta própria para a contenção do óleo, em ações voluntárias reprimidas pelo ministro e outras autoridades. Esses voluntários, na maioria dos casos, são moradores, pescadores e pessoas cujo sustento vem das praias. O problema, mais um, é que essas manchas são tóxicas e as pessoas nem sempre têm acesso a equipamentos necessários para a limpeza. Só nesta semana, a Secretaria de Saúde informou que 17 voluntários que atuaram na remoção de óleo de praias de São José da Coroa Grande, no litoral sul de Pernambuco, foram hospitalizados com reações alérgicas, 60% delas relacionados à pele e as outras 40%, à respiração. Os principais sintomas foram dor de cabeça intensa, náuseas, coceiras e feridas na pele, e até mesmo dormência na língua. Não houve internações.

Continua após a publicidade

Foto postada por Whindersson mostrando os pés sujos de petróleo. Reprodução/Reprodução

Na última quinta-feira, 24, o YouTuber Whindersson Nunes, que estava viajando com sua esposa, a cantora Luisa Sonza, em Barra de São Miguel, Alagoas, postou fotos de seus pés todos sujos de petróleo. O que assusta ainda mais é que eles nem chegaram a entrar efetivamente no mar. “Eu e a Luisa descemos para ver o mar, não caminhamos muito e já sentamos. Quando os fãs vieram mostrar o pé e o tanto de óleo, eu e Luisa olhamos os nossos pés e caramba, tinha óleo também. Para vocês verem como está a situação”, disse nos Stories.

Por se tratar de regiões extremamente turísticas, há o medo de que os visitantes entrem em contato direto com as manchas de óleo, ou porque estão desavisados ou porque não querem perder a viagem, literalmente. Os danos na saúde das pessoas podem ser muitos, como foi possível notar com os voluntários, mas tudo ainda não passa de possibilidades. O Governo, então, está liberando também verbas de pesquisa para que seja entendido quais impactos futuros o maior crime ambiental da história do litoral brasileiro pode acarretar, tanto com relação ao meio ambiente quanto à saúde da população e à economia.

Continua após a publicidade

Para especialistas, os impactos ambientais causados pelo derramamento de óleo vão durar décadas. Em entrevista ao portal G1, Clemente Coelho Junior, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco, disse que praias, arrecifes, mangues e solos rochosos são áreas dificílimas de serem limpas. “As praias estão sendo limpas, mas nem sempre a limpeza é 100%. Os fragmentos se decompõem e há moléculas nocivas ao ecossistema e à fauna. Elas impactam na cadeia alimentar e no ser humano. Isso perpetua durante décadas”, alertou. Ficariam as pessoas com medo de visitar o Nordeste depois desse desastre? Como a indústria hoteleira lidará com isso? Haverá uma queda no setor do turismo? É preciso pensar nisso, afinal, as praias do Nordeste são algumas das principais joias naturais do Brasil.

Em muitas dessas praias também existem recifes e berçários de animais, que já estão sofrendo com as manchas poluentes. Além de diversos bichos já terem morrido devido à exposição ao óleo, como peixes, botos, tartarugas e crustáceos, biólogos afirmam que o comportamento dos animais também pode ser afetado, impactando toda uma cadeira alimentar. É o caso das aves, conforme explica Coelho Júnior, que, além de correrem o alto risco de ingerir óleo, podem alterar seus períodos de migração por causa de tudo o que está acontecendo na região.

Publicidade