
Descansar também tem a ver com justiça climática
“Oi, amiga! Tudo bem? Desculpa a demora, muita correria!"
provável que você já tenha escrito (ou recebido, ou os dois) uma mensagem parecida com essa. Nosso dia a dia é preenchido por tarefas: trabalhar, estudar, ir à escola, fazer exercícios, ler, arrumar a casa, preparar a janta ou o almoço, marcar médica… e por aí vai. São inúmeras demandas que, muitas vezes, nos deixam exaustas. E o pior: com culpa por procurar e ter momentos de descanso.
Essa ideia de produtividade infinita, na qual descansar é quase um crime, insinuando que devemos preencher todo nosso tempo com algo “útil” é, em grande parte, o que nos trouxe até aqui: um mundo desigual, que vive um colapso climático e que não se reconhece com ou na Natureza.
Os modos de produção e consumo capitalistas, que embasam nosso sistema socioeconômico atual, precisam de nossa atenção, esforço e ideal de produtividade incessante para existirem. Se estamos desfrutando da vida com quem amamos, não estamos comprando, trabalhando, produzindo e, de alguma forma, nos alienando.
Tal ideal de produtividade é o mesmo que precifica as pessoas e o meio ambiente, tornando tudo uma mercadoria a ser produzida e consumida.
Quando temos olhos atentos, podemos ver que esse modo de vida incansável tem tudo a ver com as mudanças climáticas. Somado a isso, à medida que avançam os eventos climáticos extremos, mais pessoas pioram suas condições de trabalho, seus acessos ao lazer, à saúde e ao descanso.
Por isso, a noção de justiça climática deve garantir, também, o bem viver. Isso implica descansar, fazer algo que gostamos ou não fazer nada, abandonar a urgência de sermos úteis o tempo todo e simplesmente aproveitar a magnitude que é estarmos vivas.
É óbvio, e ainda assim muito necessário dizer, que o descanso deveria ser um direito, mas ainda é uma realidade para poucas pessoas. Muita gente é privada de poder descansar, trabalha mais de 10 horas por dia, perde tantas outras com deslocamentos e têm jornadas triplas e duplas. Isso muda conforme os marcadores sociais de cada grupo; por exemplo, a maioria das mulheres tem o peso do trabalho profissional e do trabalho doméstico, acarretando ainda mais exaustão.
Dessa forma, além de criarmos nossos mecanismos de descanso de acordo com nossa realidade e o que nos faz sentido, devemos entender a importância de lutarmos por políticas públicas e iniciativas que ampliem esse direito – como o movimento que propõe fim a escala 6×1, o Vida Além do Trabalho (VAT), por exemplo.
Não trata-se de ignorar as desigualdades e injustiças do mundo, mas de, justamente por compreendê-las, defender o direito a uma vida com descanso, bem estar, saúde e tempo para amar e ser amada.
Ailton Krenak escreve em seu livro A vida não é útil, publicado em 2020, que “a vida não tem que ter utilidade. Ela não é alguma coisa utilitária. Se você vive, o dom maior da vida é ela mesma. É intrínseco. A vida não tem que produzir coisas para ela ter sentido. Se não, nós íamos achar que só as pessoas que acumularam prestígio e riqueza é que viveram”.
Aí reside a missão: reprogramar nossa mente e nosso corpo para descansarmos sem culpa, mas com prazer. Dessa forma, estaremos, pouco a pouco, subvertendo as fissuras do sistema e criando mais condições para que o descanso se amplie, o bem viver chegue para todas e a vida flua não em produtividade ou utilidade, mas em solidariedade e leveza.
Para seguir: Movimento Vida Além do Trabalho (VAT)
Para ler: A vida não é útil, de Ailton Krenak