Blog da Galera: A luta de Eva Luana, abusada pelo padrasto durante 8 anos
Bruna Nunes, da Galera CAPRICHO, traz a história da jovem que sofreu abusos cruéis por muito tempo e, hoje, batalha pela própria liberdade.
Oi, gente! Aqui é a Brubs e eu gostaria de analisar junto com vocês uma história triste, mas que pode nos mostrar e ensinar muitas coisas. Nas redes, a tag #SomosTodasEva começou a ser levantada como uma forma de apoio à Eva Luana, que foi abusada desde os 12 anos. Aos 13, denunciou. Mas, somente depois de 8 anos, conseguiu com que sua voz ganhasse força e está finalmente caminhando para justiça. Na verdade, a tag é uma forma de apoio às mulheres que passam por isso.
Através de suas redes sociais, ela contou um pouco de sua história, que envolve abortos, torturas, violência física e psicológica. Uma série de traumas que nos faz refletir muito. Veja a carta aberta de Eva:
“Meu caos teve início quando eu tinha 12 anos, minha mãe era agredida, abusada, violada e torturada quase todos os dias. Meu padrasto era obsessivo e ciumento com ela. Resumindo de uma maneira geral, ela era agredida com chutes, joelhadas, objetos… Era abusada sexualmente de todas as formas possíveis. Era obrigada a tomar bebidas até vomitar e quando vomitava tinha que tomar o próprio vômito como castigo.
Ele começou a me abusar sexualmente. Eu tinha nojo, repulsa, ódio e não entendia porque aquilo acontecia comigo. Me sentia uma criança estranha e diferente das outras. Achava que aquilo só acontecia comigo. Eu tentei por diversas vezes ir para a casa da minha avó, mas ele sempre ligava ameaçando todos, dizendo que iria matar e fazer várias coisas assim. Então era uma prisão sem grade, literalmente.
Quando eu fiz 13 anos denunciei. Nessa denúncia eu tinha certeza que seria salva por todos. Mas não foi isso que aconteceu. O Estado falhou a tal ponto que o meu caso não chegou nem ao Ministério público. Fui obrigada a retirar a queixa por ameaças do meu padrasto. Ele utilizou o poder financeiro pra comprar a liberdade e comprar a minha alma. Porque ali eu perdi a minha alma. E o que eu fui denunciar, 1 ano de sofrimento, se multiplicou em mais 8 anos.
Desde então os abusos, torturas e todo tipo de agressão foram aumentando dia após dia, ano após ano. Eu não tive mais vida social. Tudo era uma farsa. Ele nos obrigava a fingir que tínhamos uma família perfeita. As agressões eram verbais, físicas e psicológicas. Entre elas comer muito, em tempo estipulado, isso aconteceu com uma pizza família, pra comer inteira em 10 minutos. Óbvio que não conseguimos. Também tomar 2 litros de refrigerante nesses 10 minutos… eu levei socos no rosto e ele não me deixava me proteger com a mão. Chutes até cair no chão e de 4 ele enfiou as pizzas na minha boca me chamando de animal, eu vomitei e comi meu próprio vômito. Meu gato comeu um pedaço e lambeu outro, ele me obrigou a comer o que ele havia lambido. Eu apanhei a noite toda e no outro dia eu tinha que fingir que nada havia acontecido.
Eu era obrigada a fazer todos os trabalhos da faculdade dele e se eu não fizesse perfeito eu pagava o preço. Eu também respondia todas as provas da faculdade, era obrigada a sair mais cedo da minha aula pra responder às provas dele pelo celular. Existiam castigos e punições pra tudo. Até mesmo se eu não pagasse uma conta no banco que estava super lotado, mesmo tendo horários no trabalho ou estágio.
Meu celular era vistoriado todos os dias a noite. Ele desinstalava o whatsapp e reinstalava novamente pra poder recuperar as conversas apagadas. Eu não podia namorar. Eu não podia sair com meus amigos, não tinha vínculo social com ninguém. Todos os vínculos eram vigiados e ele sempre respondia pessoas como se fossem eu. Todas as minhas senhas no celular, redes sociais e Gmail eram monitoradas por ele.
Me vigiava na porta da sala da faculdade. Todos percebiam e me viam chorando. Ele me tratava mal em público. Ele me agredia nos estupros mas depois de um tempo, só utilizou das ameaças contra a minha família. Eu era usada como um lixo. Já abortei diversas vezes. Nunca pude ir ao médico pra fazer curetagem. Todas as vezes sangrava e passava mal a noite inteira. Já vi os bebês inteiros no vaso sanitário.
Eu era chamada de burra, anta, doente, demente todos os dias e era obrigada a repetir isso pra mim mesma. Quando era solicitada pelo trabalho ou convidada pra algo que eu não poderia recusar, era obrigada a mandar print pra ele me permitir ir ou não. Minha mãe era agredida psicologicamente constantemente também, não tinha mais voz ativa dentro de casa. Ele arrancou a alma dela também. Ele é um monstro, perdi minha infância e adolescência. Me sentia um lixo por não ter forças pra pedir ajuda e por sentir tanto medo (…)
Minha irmã não tinha amor de um pai. Ela morria de medo dele pois sempre viu ele fazendo essas atrocidades conosco. Ele foi um pai macabro pra ela. Não tínhamos liberdade, respeito e cuidado. Nosso dinheiro era entregue pra ele sempre. Não tínhamos autoridade pra poder comprar ou utilizar como queríamos. Tapas inesperados, gritaria e agressões eram constantes a qualquer momento.
Minha mãe apanhou tanto que teve um parto prematuro, meu irmão morreu depois de 6 dias de nascido. Quando ela estava grávida dele levou diversos chutes e joelhadas na barriga. Ele não queria mais um filho. Ela pulou um muro pra se salvar, mais de 2 metros de muro com as unhas.
Eu passei em várias faculdades mas só pude ficar onde ele autorizou. Eu era vigiada. Meu aniversário foi comemorado no meu estágio e eu não pude estar presente. Dormia sempre na casinha da minha cachorra, local sujo e úmido sem ventilação ou janelas. Lá não tinha luz. Passei várias horas sem comer. Era obrigada a passar a madrugada inteira em pé, durante horas e horas, até amanhecer o dia. Já dormi na rodoviária várias vezes.
Obrigada a ir e voltar da faculdade andando. Cruzava a cidade inteira tarde da noite com medo, fome e as vezes na chuva. Quando chegava em casa não podia sentar e tudo iniciava novamente. Eu já sai pelada na rua de madrugada e ele dizia que era para eu ser estuprada por homens. Ele tirava fotos minhas com o meu celular e enviava pra ele mesmo, pra fingir que era eu, criava conversas nojentas com ele mesmo. Meu celular era monitorado sempre. Eu perdi os amigos e a confiança na justiça.
Minha família era proibida de se aproximar então todos achavam que eu e minha mãe não queríamos contato. Mas na verdade éramos proibidas por ele em tudo que fazíamos. Eu sinto ânsia, repulsa e pavor da presença dele. Eu tive tanto medo de morrer, de perder a minha irmã ou minha mãe. Ele é um monstro obsessivo e possessivo. Nossos gritos foram calados e tem muito mais pra contar que não daria pra escrever aqui. Eu tentei gravar um vídeo, mas pra mim foi muito mais pesado essa gravação.
Essa foto mostra ele me procurando pelo vidro da porta da sala, ele sempre fazia isso durante as minhas aulas. // Decidi escrever. Fui salva e resgatada por anjos. Um anjo se apaixonou por mim e não compreendeu o porque que eu era tão triste. Eu só falei a verdade pra ele porque achava que iria morrer. Ou ele mataria ou eu me mataria. Tentei me suicidar várias vezes com cortes e remédios. Eu contei a verdade pois não aguentava mais. Ele buscou ajuda de um outro anjo, que me mostrou que a justiça ainda pode nos salvar. Desde então, todos colaboram como uma cadeia de solidariedade e amor.
Estamos em segurança mas ao mesmo tempo correndo riscos. Medo me define por completo, no entanto, tenho forças pra dizer: Lutei como uma garota e vou continuar lutando por outras garotas. Se algo me acontecer eu não terei dúvidas que tentei sair dessa e lutei essa guerra com todas as minhas forças. Eu sou apaixonada pela vida e pela liberdade, eu pulei fases, pulei etapas, não tive adolescência, nem infância… Ele não pode sair impune, a justiça tem que ser feita o quanto antes. Estado, não falhe comigo novamente. Com amor, Eva.”
Eva finalizou a carta com a mensagem: “Clamo por justiça. Compartilhem e propaguem para que outras garotas tenham forças pra denunciar e para que o meu caso seja exposto pra toda a sociedade. Conto com vocês. PS: Lute como uma garota. Use a #SomosTodasEva“.
Uma das coisas que mais assusta na história é o fato de que mesmo com o relato da jovem, muitas pessoas ainda insistem em tentar achar um “por quê?” na situação toda. “Por que não saiu de casa?”, “Por que denunciar só agora?”, “Por que ela…” e “Por que a mãe…”, questionando a veracidade dos fatos. Olha, apenas parem! Não há um “mas”, um “porquê” ou qualquer justificativa.
E vocês ainda acham que é apenas denunciar?
– Ano passado, em apenas um semestre, foi registrado 73 mil denúncias de violência contra mulheres em média. Denúncia não falta.
– É preciso analisar as condições físicas e psicológicas das vítimas que, por diversas vezes, sofrem ameaças, justamente para não denunciarem e ficando sem escolhas.
– A culpa não é da vítima.
A história da Eva é a mesma de milhões de mulheres que, infelizmente, se repete diariamente. Estamos com você, Eva. Continue lutando como uma garota.
Lembre-se: denuncie! Ligue 180. #SomosTodasEva #LuteComoUmaGarota
Beijos,
@minha_f5