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Paula Sperling, do BBB19, é o triste retrato do Brasil racista e enrustido

A sister vomita vários comentários racistas, mas depois se desculpa: "Foi sem querer, eu sou assim". Quantas pessoas iguais à Paula você não conhece?

Por Isabella Otto Atualizado em 1 jun 2020, 10h55 - Publicado em 3 fev 2019, 10h02

Você sabe o que é racismo estrutural? É a violência não direta do Estado às pessoas negras. Ela está intrínseca na sociedade e soma-se àquela violência direta, como agressões verbais e até mesmo físicas. Olhar para o lado no ambiente de trabalho ou na universidade e não enxergar nenhum negro é resultado do racismo estrutural que continua pregando que pessoas afro não são capazes e não devem ter lugar (principalmente de destaque) em uma esfera dominada por brancos – por muitos entendidos como a “elite intelectual”.

Reprodução/Reprodução

O Ministro da educação Ricardo Vélez disse recentemente que “todos aqueles que quiserem entrar na faculdade estão em pé de igualdade”, justificando sua fala anterior que dizia que “as universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite econômica”. No Brasil, a porcentagem de negros que vivem em zona de pobreza e miséria dobrou no Brasil nos últimos cinco anos, de acordo com relatório realizado pela ONG ActionAid em 2018. Então, não é justo dizer que todos estão em pé de igualdade, porque eles não estão e porque muito disso se deve ao racismo estrutural que faz cada vez mais vítimas no país.

No último ano, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública, os crimes de racismo cresceram 29% só em São Paulo. Para o filósofo Silvio Almeida, “o racismo é uma forma de racionalidade”. Na maioria das vezes, as pessoas racistas sabem que são racistas. São raros os casos em que elas fazem um comentário na ingenuidade. O racismo pode ser estimulado pela falta de informação, mas, no fundo, quem pratica o racismo sabe o que está fazendo ou dizendo.

Recentemente, algumas pessoas estavam acusando a Rede Globo de mascarar o racismo de Paula von Sperling no BBB19. De acordo com alguns espectadores do reality show, a emissora estava editando as falas da bacharel em Direito, fazendo-a se passar por uma garota sem noção e do bem, quando, na verdade, Paula tem muita noção das maldades que perpetua.

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Como foi relatado anteriormente aqui no site CAPRICHO no blog do Big Brother Brasil, escrito pelo jornalista Vand Vieira, a sister já fez os seguintes comentários dentro da casa: “pensei que fosse chegar mó faveladão”, “cabelo ruim”, “humor negro é você começar a pegar uma pessoa negra e fazer piadinha contra ela”, “pra mim cota é uma forma de racismo do Estado” e “começa a denegrir a pessoa por ser loira”. Visivelmente, a bacharel em Direito precisa de um aulão de história para entender algumas coisas básicas sobre o racismo. Mas vamos lá:

1. ao se referir sobre a pessoa que estava cometendo o crime como “faveladão”, a sister deixa claro que faz parte daquela parcela da sociedade brasileira que generaliza os moradores de comunidades e acredita que todos eles são bandidos e que “bandido bom é bandido morto”. Na sequência, Paula deixa claro que ficou surpresa ao descobrir que o criminoso, na verdade, era um rapaz branco, que inclusive já tinha feito intercâmbio. Pelo tom da voz, é possível perceber que o crime foi suavizado porque, afinal, era um “jovem branco de classe média” e não um “bandido negro”.

2. a participante do BBB19 parou no tempo, assim como tantas outras pessoas, e ainda acha que é aceitável usar a expressão “cabelo ruim”. Isso não existe, assim como não existe “cabelo bom”. O que existe são diferentes tipos de fio, que variam do liso ao crespo. “Ruim é o preconceito”, alertou Gabi, outra participante do reality ao ouvir o comentário.

3. sobre a frase em que se refere ao humor negro, não precisamos nem dizer que muitos erros foram cometidos, né? Ou melhor, precisamos, sim! O humor negro já foi considerado uma subdivisão do gênero comédia, mas hoje a expressão não é mais bem vista, pois os negros não estão mais aceitando calados as chacotas que anteriormente eram vistas como “piadas”. Aliás, ao dizer que humor negro é pegar uma pessoa negra e fazer piadinha contra ela, Paula deixa implícito que considera o black face, por exemplo, uma forma de ~zoeirinha~. Atitudes e comentários racistas não podem ser vistos como “simples piadinhas” porque, caso contrário, voltamos ao tempo em que os negros eram ainda mais segregados e vítimas de racismo enrustido em forma de humor. A comédia não justifica tudo e todos – nem o politicamente incorreto.

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4. cota racial não é uma forma de racismo do Estado, muito pelo contrário! Ela é uma ação afirmativa temporária que luta diretamente contra o racismo estrutural. Lembra que conversamos sobre os negros e indígenas não estarem em pé de igualdade com um branco que estudou em escola privada a vida toda e ia de motorista para o colégio? Então… A medida garante que cada vez mais grupos segregados, como o dos negros, pardos e indígenas, tenham chances de pertencer a um espaço essencialmente dominado por brancos e tenham oportunidades mais justas. “Cota não é esmola”.

5. visivelmente, Paula von Sperling acredita em racismo inverso – assim como tantas pessoas por aí. Como chegamos a essa conclusão? Bem, ela disse que pessoas loiras também podem ser “denegridas” (está aí um termo racista) por serem loiras, deixando subentendido que esse tipo de ofensa se iguala a um comentário racista que um negro pode receber no seu dia a dia. Apesar de os participantes Gabi e Rodrigo explicarem que isso não pode ser também classificado como racismo, a participante, quando longe desses que usaram argumentos para desvalidar seu comentário, voltou a pensar e agir como se nada tivesse sido aprendido. Não existe racismo inverso porque brancos não são e nunca foram escravizados pela sociedade nem amarrados a troncos ou colocados para morar em senzalas. Nenhum branco é morto por sua cor de pele.

Muitos chocam-se com a atitude da sister, mas a verdade é que ela representa uma grande parcela da sociedade que acredita que racismo é mimimi, que cotas não deveriam existir, que cabelo bom é só o liso, que todo “favelado” é ladrão, que as pessoas estão muito chatas e problematizando tudo, e que racismo inverso é uma realidade. E não pense que Paula é uma menina ingênua que não sabe o que diz. Assim como toda essa parcela da sociedade, a bacharel em Direito tem plena consciência de suas falas e, no fundo, sabe que, na verdade, usa todas essas justificativas para encobrir o racismo que pratica porque, de certa forma, sente que seu lugar de privilegiada pode ficar ameaçado. E tudo isso fica bastante claro na seguinte fala da participante: “Desculpa, Brasil, foi sem querer. Eu sou assim desde pequena(…) Mas é legal(…) Eu só falei a verdade”.

Para a sister, ser racista é falar a verdade ou ter a coragem de dizer o que os outros pensam e não têm coragem de falar. Falta filtro, mas não falta consciência. Paula sabe. Aquele seu parente também. E o Estado também. Não é ~sem querer querendo~. Mas é aquela coisa, né? O Brasil não é racista, “até tem amigos que são negros”.

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