Problemas de autoestima colocam garotos no ciclo do ódio e da violência
Guiados por uma masculinidade tóxica, meninos abafam seus sentimentos e frustrações, e jogam toda a culpa nas mulheres

ocê já parou para pensar como desde cedo somos alimentados por ideias preconcebidas do papel que devemos ter na sociedade? Das garotas, espera-se que elas sejam delicadas, amáveis, cuidadosas e apaixonadas, enquanto os meninos são ensinados que ser homem é sinônimo de ter virilidade, força e vigor. Essa pressão, como vocês, leitores da CAPRICHO, bem sabem, não é nada fácil e afeta diretamente a autoestima, principalmente a masculina.
“O garoto precisa ser considerado já na adolescência como alguém que faz a diferença. É como se já fosse uma preparação para um mundo onde ele vai exercer poder e controle”, analisa Sergio Barbosa, professor de Filosofia, especialista em masculinidades, relações de gênero e violência de gênero. Acontece que quando esse garoto não consegue assumir esse lugar de autoridade e domínio, e se depara com jogos de humilhação logo na adolescência, ao ser taxado de feio, gordo, baixo ou magros demais, ele toma aquilo como verdade absoluta.
E aí que, segundo Sergio, os garotos entram em contato com o pior inimigo da autoestima do homem: ele próprio. “Quando ele levanta e se olha no espelho, ele tem que provar que é o mais forte, o mais rápido, e sem demonstrar qualquer tipo de fraqueza”, diz o especialista à CAPRICHO.
Na busca desse ideal de masculinidade, padrões violentos vão fazendo parte da construção da identidade deles, que são desencorajados a expressar seus sentimentos e, muito menos, chorar. A masculinidade tóxica exige que os meninos tenham um comportamento agressivo para esconder frustrações, fraquezas, sinais de depressão e ansiedade.
O protagonismo das garotas e a autoestima dos garotos
Carolina Delboni, educadora e especialista em comportamento adolescente, chama atenção para o momento sociocultural no qual vivemos e como ele também impacta a autoestima dos garotos. Ela afirma que, por conta do machismo, as meninas passaram a aprender uma série de coisas que não são ensinadas para os meninos.
Um exemplo básico é o acompanhamento médico. É muito comum que mães levem suas filhas ao ginecologista logo no início da puberdade, quando seu corpo começa a desenvolver ainda mais. “Aquela menina, que logo vai menstruar, precisa aprender a como não engravidar, a como se proteger, a como cuidar de uma série de doenças sexualmente transmissíveis”, diz. Já com os meninos é bem diferente: os pais dificilmente levam eles a um urologista, por exemplo, para entender melhor sobre seus órgãos sexuais ou para aprender como ele deve se proteger e proteger o outro.
O menino não vai a médico nenhum, só que socialmente é exigido dele uma performance, uma responsabilidade e uma maturidade que ele não foi ensinado a ter. Isso é muito complexo.
Carolina Delboni, especialista em comportamento adolescente
Impulsionadas pelo feminismo, e com ajuda de comunidades, as meninas também passaram a buscar mais autoconhecimento sobre as questões todas que envolvem a feminilidade, o feminino, o papel da menina e da mulher para a sociedade. “Elas sabem muito bem nomear as coisas e entender o que podem e querem”, diz Carolina. Com isso, estamos em um contexto em que as garotas, mais empoderadas , estão com uma autoestima muito mais fortalecida em relação aos meninos.
“Quando os meninos vão para relação com as meninas, eles estão, de maneira geral, bem apavorados. Eles estão vendo meninas fortes e empoderadas, com uma autoestima mais solidificada”, afirma Carolina, que explica que não que eles sejam frágeis, mas estão ficando fragilizados nesse lugar. Muitos têm medo de se relacionar, não sabem como chegar nas garotas, receosos com o tipo de proximidade e se pode ser considerada um assédio.
“A sociedade tem esquecido que precisamos fortalecer o campo sentimental e emocional dos meninos, para que eles sejam capazes de demonstrar as emoções, e de construírem uma relação mais saudável com as mulheres”, defende Carolina.
Meninos, alvos fáceis do ódio
Sergio Barbosa explica que, segundo o patriarcado, cada homem é uma célula independente e que reage de acordo com aquilo que é provocado. Então diferente das meninas que criam redes de apoio, os meninos acreditam que não precisam disso. “Eles pensam: ‘para que eu vou me reunir em grupo para provar a minha fragilidade ou para provar que eu preciso de ajuda?”, diz Sergio.
Por isso, é muito difícil surgir grupos masculinos para fortalecer a autoestima e rever o papel do homem na sociedade. Com explica Sergio, vão surgir grupos justamente ao contrário, para atacar e defender o lado dos homens, já que existe o pensamento que as feministas estão tomando esse território.
Esses homens pensam que se é para se unir que seja para uma batalha externa, para articular estratégias para destruir as mulheres.
Sergio Barbosa, especialista em masculinidade
É assim que comunidades como a Incel se fundam e se fortalecem, como a minissérie da Netflix ‘Adolescência’ retratou recentemente. Incel é uma gíria americana para “involuntary celibacy” (ou em português, celibato involuntário”). O termo é usado por grupo de homens que têm uma imagem negativa de si, muitos vítimas de bullying, e que se sentem incapazes de ter relações sexuais com as meninas. Sem saber como lidar com a rejeição e solidão, colocam a culpa nas mulheres por suas frustrações amorosas e sexuais – estimulando a violência de gênero e crimes como o feminicídio.
A batalha é conjunta e contra o machismo
Para não cair nessas armadilhas e fortalecer a autoestima masculina, Sergio diz aos jovens que o primeiro passo é se cercar de quem gosta de você e que te ajuda a sair de situações difíceis. O segundo passo é escutar as mulheres e buscar entender o que elas estão falando sobre esse tema. Carolina concorda e reforça que está acontecendo um movimento importante contra o machismo, impulsionado pelas mulheres, para romper esse ciclo de violência e de ódio, mas que agora é preciso trazer os meninos para dentro dessa roda de conversa também.
Já o terceiro passo, segundo Sergio, é buscar ajuda e referências com professores, pais, parentes ou amigos mais velhos. “Eu acho que a juventude é muito rica, porque está com a porta aberta para novas experiências. Por que fechar essa porta com experiências negativas? Dá para construir coisas muito belas e bonitas”, finaliza.