Como The Realness Festival colocou o Brasil no topo da cena drag global

Em entrevista à CAPRICHO, Paulo Matos comentou bastidores intensos e o papel do festival na valorização da arte drag brasileira

Por Arthur Ferreira 5 abr 2025, 19h01
O

que começou com a ousadia de um fã de RuPaul’s Drag Race de 18 anos em produzir eventos se tornou o coração de um movimento que ressignifica o espaço da arte drag no Brasil. Paulo H Matos é o nome por trás do Realness Festival, maior festival drag da América Latina que possibilita o encontro de fãs brasileiros com drag queens globais.

Em entrevista à CAPRICHO, o produtor relembra os perrengues, as conquistas e os próximos passos de um projeto que se tornou um símbolo de visibilidade e profissionalização para a comunidade LGBTQIA+.

“A Realness começou por uma paixão”, contou Paulo, que conheceu o reality apresentado por RuPaul por volta de 2015 e ficou apaixonado pelo universo drag. No ano seguinte, com apenas 18 anos, ele decidiu transformar esse amor em projeto. E mais: resolveu fazer isso no Rio de Janeiro, mesmo morando em São Paulo e sem conhecer quase ninguém na cena carioca. “O inglês que eu tinha era o que aprendi com Drag Race, meu conhecimento era limitado. Mas dei sorte, porque a primeira drag que contratamos, a Detox, foi super profissional.”

De lá pra cá, a sorte virou planejamento — e o planejamento, estrutura. A Realness saiu do formato de festas para se tornar um verdadeiro festival com estrutura de show internacional. O grande salto aconteceu em 2022, depois da pandemia forçar uma pausa nas agendas e permitir que o jovem soteropolitano pensasse maior.

“Eu já tinha esse grande sonho de levar a arte drag pra fora das baladas e dos ambientes onde a gente normalmente fazia, porque via muito potencial no que fazíamos. Temos um público muito grande, mas não havia investimento das produtoras brasileiras. O mercado de shows não olhava muito para esse segmento, por ser mais nichado”, disse Paulo.

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E ele criou esse espaço. Apostou tudo que tinha acumulado e levou o festival para a Audio, casa de shows em São Paulo. O resultado? Sucesso imediato. O evento cresceu em tamanho, em visibilidade e, principalmente, em propósito. “Pegamos um ótimo timing: o pós-pandemia, já com vacina, e o mercado de eventos retomando, com datas reagendadas para os grandes shows. Nunca tinham vindo tantas queens ao mesmo tempo pro Brasil ou para qualquer outro país da América do Sul.”

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A força da cena brasileira

Para além das grandes estrelas do Drag Race — Monet X Change, Alaska, Denali, Raja Gemini e tantas outras — a Realness sempre abriu espaço para nomes brasileiros.  “Não dá pra falar de drag sem falar da cena brasileira”, afirmou Paulo, que fez questão de inserir artistas nacionais no line-up desde o começo do projeto.

Em 2023, com a estreia de Drag Race Brasil e Caravana das Drags, a Realness abraçou ainda mais o cenário nacional. “Era o momento certo. Conseguimos reunir quase todo o elenco dessas produções.” Além das queens do reality, o festival abriu espaço para artistas que brilharam na internet e na cenas de diferentes estados brasileiros.

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O Brasil é muito diverso e a arte drag também. Ela varia de estado para estado. Fico muito feliz de ter conseguido trazer essa visibilidade na Realness. É uma das coisas que mais me marca.

Paulo H Matos

O crescimento do cenário nacional também foi reforçado pelas watchparties de Drag Race Brasil, organizadas por Paulo em parceria com Grag Queen, apresentadora da versão brasileira do reality. Durante a temporada, toda semana um novo episódio era exibido ao vivo, reunindo fãs e queens. Mas o grande destaque foi a final. “A gente queria dar ao fã brasileiro a emoção de ver a coroação ao vivo, ver as finalistas no palco, sendo celebradas.”

Para Paulo, essas iniciativas não apenas fomentam o mercado, mas criam novas oportunidades para as artistas. “O Drag Race é uma vitrine de visibilidade que dá mais perspectiva para todos os artistas envolvidos — e, com certeza, veio para revolucionar o mercado drag brasileiro.”

O público da Realness é maravilhoso. A gente criou uma comunidade de pessoas que vai realmente para valorizar a arte drag — não só a arte drag internacional, mas, principalmente, a arte drag brasileira.

Paulo H Matos
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Bastidores e perrengues

Produzir um evento desse porte traz histórias inesquecíveis. Alyssa Edwards, por exemplo, chegou antes do previsto e, sem traslado organizado, Paulo precisou correr atrás de um táxi. “Achei que ela ia ficar brava, cobrar satisfação… Mas quando chegou ao hotel, sorriu e pediu um McDonald’s.”

Mas os desafios começaram bem antes disso. “No início, lidar com grandes personalidades foi complicado. Trouxe três dos maiores nomes de Drag Race — Detox, Adore Delano e Katya. Como eu era muito novo, sentia uma certa insegurança da parte delas no começo. Mas, no fim, sempre vinham elogios.”

Com o tempo, os erros viraram aprendizado. “Se hoje conseguimos entregar uma produção impecável, é porque lá no começo tomamos muito ‘pau’. Foi tudo na base da experiência.” E os perrengues não pararam. “Em 2023, tivemos um climão no backstage. Algumas queens não queriam ficar perto umas das outras, o que mudou toda a dinâmica da produção. Nessas horas, lidar com egos é um jogo de xadrez.”

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As drags estão sedentas para “come to Brazil”

“A gente tem recebido mensagens de outras queens que a gente nunca imaginou. Antes era o caminho contrário, né?”, essa frase de Paulo escancara o impacto da Realness, que já ultrapassou as fronteiras brasileiras. O festival consolidou um nome global e criou um formato inédito no mundo.

“A gente fez esse festival, que é uma coisa que não acontece em nenhum outro lugar. Um festival 100% drag. Temos eventos, turnês, mas um festival dessa magnitude, que mistura arte local com drags de reality show, não existe. Os latinos foram pioneiros nisso.”

Além de expandir o festival, Paulo Matos está investindo na profissionalização da cena drag brasileira de uma maneira inédita. “Vamos abrir uma agência, uma empresa — já abrimos, na verdade, mas ainda vai ser anunciado — que é uma empresa de agenciamento artístico.”

A ideia é ir além da produção de eventos e oferecer um suporte mais estruturado para as artistas. “A gente vai cuidar da carreira de algumas pessoas também, de algumas artistas da cena drag brasileira.” E, para isso, os projetos deste ano já refletem essa missão: “Todas as produções deste ano, para além do festival, vão ser praticamente 100% brasileiras.”

Se depender de Paulo, a cena drag no Brasil está só começando a alcançar novos patamares. E ele não descarta um sonho audacioso: trazer RuPaul ao Brasil. “Não vamos sonhar pequeno, né? Eu acho que a Realness tem potencial, sim, para trazer a RuPaul para o Brasil um dia. Seria incrível. Tô aqui mexendo meus pauzinhos para tentar tornar isso real”, brincou.

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O The Realness Festival 2025 acontece no dia 16 de agosto, na Vibra São Paulo. Ingressos disponíveis pela Sympla.

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