Fiz as pazes com minha adolescente do passado em um show do Hanson
"Ter visto, pela 1ª vez, minha banda favorita dos anos 1990, o Hanson, foi como acolher minha própria história."
Quantas e quantas vezes, no processo solitário de escrita de meus diários, desejei estar a apenas alguns metros de distância do meu grupo favorito da adolescência, o Hanson. Siiiim, aqueles três irmãos loirinhos do hit chiclete “MMMbop, ba duba dop, baaa du bop“, lançado em 1997.
Tamanha era a vontade de conhecer aqueles garotos de Tulsa, Oklahoma (EUA), que passei a estudar inglês. Afinal, diante da plena convicção de que um dia esse sonho se concretizaria, precisava saber o que dizer além de “I love you, guys”. Mas, à época, o mais perto que cheguei deles foi só diante da televisão mesmo. Eu parava tudo que estivesse fazendo para assistir aos videoclipes veiculados no Disk MTV, apresentado pela Sabrina Parlatore na época.
E chamava “disk” justamente porque você tinha que ligar de um telefone fixo – já que smartphone, meninas, era coisa lá do futuro – para pedir e votar no seu clipe predileto. O meu era “I will come to you”. Claro, uma música que tem como refrão
“Quando a noite estiver escura e tempestuosa / Você não terá que procurar por mim / Eu irei até você” era um prato cheinho para alimentar a paixão platônica da canceriana. A cada passagem do trio pelo Brasil, era um sofrimento por nunca conseguir ir aos shows ou ser plateia de um dos muitos programas pelo qual passaram, como o Domingo Legal, do SBT ou o Planeta Xuxa, da Rede Globo.
O investimento no ingresso era altíssimo e também não havia companhia para enfrentar filas quilométricas ou acampar comigo para garantir um bom lugar nas apresentações. E eu não tinha rede de apoio: não fazia parte de nenhum fã-clube nem tinha amigas que gostassem tanto deles quanto eu. Todas estavam mais para Backstreet Boys e Nsync, boy bands que eu até curtia. Mas ouvir os CD’s, decorar as letras, gravar fitas VHS, escrever cartas de metro, colecionar inúmeras fotos, revistas (como a Capricho!) e colar pôsteres no guarda-roupa da Marabraz – uma loja de móveis concorrente das Casas Bahia na época -, era o Hanson mesmo.
Hoje, penso que aquele sonho singelo, alimentado tão cuidadosamente, foi muitas vezes taxado de histeria adolescente ou de “é só uma fase”. O que me lembra a cena de um filme que adoro, o “The Hottest State” (2006), dirigido pelo estadunidense Ethan Hawke, o mesmo ator da maravilhosa trilogia “Before sunrise” (1995), Before sunset (2004) e Before Midnight (2013).
Nele, uma jovem que almeja a carreira de cantora e vive uma paixão avassaladora e inesperada com um ator, diz assim: “Você não acha estranho que, quando você é criança, todo mundo diz para você seguir seus sonhos. Mas, quando você envelhece, eles se sentem ofendidos só de você tentar?”.
O filme foi traduzido para o português como “Um amor jovem”. E sempre achei curiosa a imaginação de quem pensa a tradução de certos títulos brasileiros. Você não?! Enfim, se nunca viu esse longa, vale a pena. Aliás, quem interpreta a mãe da protagonista é a atriz Sônia Braga (“Aquarius”, 2016, e “Gabriela, cravo e canela”, 1983).
Os anos se passaram e, como previsto, a minha Hansomania também. Cresci, os interesses mudaram e aquela euforia acalmou. Não ouvia mais as canções, muito menos buscava notícias sobre o grupo. Ou, apenas desisti, como um bocado de coisas que a gente vai simplesmente deixando pelo caminho à medida em que nos tornamos adultos brutos e seres autos-sabotadores da própria essência inquieta e juvenil. Mas, por acreditar na ideia de que “longe” não existe, lá no fundo, ainda preservava uma certeza de que um dia veria meus ídolos. Por isso, mantive guardada e quase secreta uma camiseta preta com a foto deles.
25 anos daqui então. Lá estava eu: sozinha em Paris, cidade onde vivo atualmente, às vésperas de meu aniversário, na tarde de uma quarta-feira, pegando fila três horas antes do show e acompanhada de outras tantas mulheres também na casa dos 35-40. Solteiras, casadas, com ou sem filhos, todas ansiosas, de olhos brilhantes e espírito contente porque sabiam que, dali algumas horas, o ônibus do guitarrista Isaac, 41; do vocalista e tecladista Taylor, 39; e do baterista Zac, 36, estacionaria diante da La Cigale, um histórico teatro francês de 1887, para reviver músicas e memórias de suas respectivas adolescências.
Vídeo de Taylor durante a chegada deles ao teatro: 25 anos foi o tempo que levei para fazer as pazes com minha teenager, aquela tão tímida, apaixonada e sonhadora. E confesso que, até o momento, eu não tinha NENHUMA noção do quanto precisava cuidar disso. Até me ver ali cantando e pulando de mãos dadas com ela, num passado-presente d’eu mesma e com minhas duas versões em completa presença mútua.
Naquela noite, “Where’s the love”, música do álbum “Middle of nowhere” (1997), abriu o show da atual turnê “Red, Green, Blue”, nome do álbum comemorativo pelos 30 anos de carreira do grupo, escrito e produzido por cada irmão individualmente e lançado em maio.
No Brasil, uma série de shows está prevista para outubro nas cidades de Porto Alegre (11), Curitiba (12), Ribeirão Preto (14), São Paulo (15), Uberlândia (16), Brasília (19) e Rio de Janeiro (21). Segundo Isaac, em nota divulgada no hanson.net, Red Green Blue é sobre compartilhar o que os tornou uma banda capaz de resistir a tantas tempestades. “Sentimos que era imperativo continuar a contar nossa história como só nós podemos, e contando histórias de maneiras que continuarão a nos desafiar a crescer e dar às pessoas novas razões para ouvir”.
Formada em 1992, a banda consolidada como pop-rock ainda mescla ritmos como o soul e o R&B e mantém a influência de início de carreira, vinda de artistas como Aretha Franklin, The Beatles e Chuck Berry. Na infância, já impressionavam jurados e crítica com composições autorais e apresentações à capela. Em maio de 2021, participaram da edição americana do The Masked Singer e provaram o quanto o tempo passou para a melhor. Veja você mesma:
Com trajetória artística praticamente ininterrupta e de mesma formação, os músicos multi-instrumentistas e compositores somam dois álbuns independentes, sete de estúdio, dois de Natal e cinco projetos ao vivo; todos, acompanhados de apresentações para milhares de fãs em todo o mundo. Talvez hoje, em tempos de streaming e picos velozes de visualizações no YouTube, não pareça grande coisa, mas, o single “MMMBop” liderou simultaneamente a primeira posição em 27 países e rendeu diversas indicações ao Grammy Awards.
Em 2013, lançaram a Hanson Brothers Beer e o Hop Jam Beer Music Festival, um dos maiores eventos de cerveja artesanal e música de Tulsa, realizado no mês de maio. No âmbito pessoal, ainda conciliaram a formação de numerosas famílias: um total de 15 filhos. Taylor é pai de sete; Zac, cinco; e Isaac, três.
Naquela noite, após duas horas de show, percebi que não se tratava de estar a apenas alguns metros de distância do meu grupo favorito – até porque eles continuam sem saber da minha existência – mas, sobre manter a faísca. No fim das contas, era sobre confiar nos meus desejos potentes. Era sobre acolher a própria história e não sentir vergonha dela. Por isso, se couber aqui um conselho, não hesitem em serem intensas. Intensidade chamada de exagero também pode ressignificar o modo como depositamos amor e verdade naquilo que acreditamos. E essa é a verdadeira beleza. E eu, de dívida quitada, talvez agora deixe de ter acne adulta.
*Jornalista e escritora brasileira radicada na França, tem contribuições em projetos artísticos e socioculturais a partir de atuações em ONGs, revistas, rádio, televisão, fotografia, assessoria de imprensa e produçāo de eventos. É autora da biografia Esumbaú, Pombas Urbanas! 20 anos de uma prática de teatro e vida (2009) e uma das criadoras do Orgulho Crespo, movimento independente de valorização do cabelo crespo/cacheado iniciado em 2015 com a 1ª Marcha do Orgulho Crespo. A iniciativa integra o calendário oficial do Estado de São Paulo com o #DiaDoOrgulhoCrespo, celebrado todo 26 de julho por meio da Lei 16.682/2018.