
Karen Jonz define música como ‘ferramenta poderosa’ de transformação
"Somos resultado das nossas experiências", destacou a artista em entrevista à CH
aren Jonz estava mais consciente do que precisava enfrentar quando escreveu GUIZMO, seu segundo disco de estúdio lançado no início de 2025. Através de canções inéditas e faixas que receberam uma nova perspectiva, a cantora, compositora e skatista refletiu sobre os diferentes processos de transformação pessoal que viveu nos últimos anos.
Em entrevista à CH, Jonz observou que o atual é “menos frágil e mais intencional” que seu antecessor, Papel de Carta, de 2022. “Em Guizmo, estou procurando soluções. Acredito que é um disco sobre transformação“, destacou a artista.
O impacto das 10 canções que compõem o GUIZMO não passou despercebido. Depois do lançamento, as redes sociais de Karen foram tomadas por textos de quem se identificou com as faixas que passam por temáticas que envolvem perda, insegurança, maternidade, busca por identidade e mais nuances que podem afetar de diversas maneiras e em diferentes pontos de cada um.
“Antes de lançar, estava me questionando. ‘Será que eu estou exagerando? Será que isso vai ser tão pessoal que ninguém vai se identificar?’ Foi uma surpresa muito positiva ver as pessoas comentando coisas que não são emojis, sabe? Não é coraçãozinho, foguinho… São realmente comentários, um parágrafo sobre uma coisa muito pessoal. Para mim, é incrível esse tipo de retorno do público“, afirmou Jonz.
A atleta explicou que as experiências que viveu nos campeonatos de Skate foram um fator de grande importância no processo de desenvolvimento no disco. Para ela, a forma como foram expressados sentimentos e ideias fizeram com que a música se tornasse mais plural e identificável para outras pessoas.
Somos resultado das nossas experiências.
Karen Jonz
Sem se basear em expectativas de outras pessoas, ela cria os próprios limites e inspira outras pessoas a fazer o mesmo. “Eu fui dar uma aula de skate em Santos e recebi uma pergunta sobre ser uma mulher mais velha andando skate, como eu lido com isso. Porque eu ainda sou muito ativa e ainda aprendo muita manobra”, disse Jonz sobre uma experiência recente que tem conexão com o que ela quer comunicar na pista e no palco.
“Eu disse que a minha régua sou eu mesma, que eu tento não me comparar com outras meninas e que acho eu sou capaz, sim. Agora, tem gente pegando esse áudio e usando para vídeos de uma menina que é do hipismo, de outra menina que é de outra área. Estão usando o áudio para um sentimento que é compartilhado, né? Mesmo que não seja exatamente da mesma maneira.”
Karen ainda ressaltou que o “skate e música são as ferramentas mais poderosas” que já conheceu. “A música é uma das coisas que mais cura, que mais tem poder de transformação, que mais une as pessoas, independente de qualquer coisa.”
Confira nossa entrevista completa com Karen Jonz
CH: Nesse disco, você mergulha em coisas que você foi guardando e, muitas vezes, não queria pensar tanto no passado. Qual foi a parte mais interessante de olhar para esses sentimentos e meio que ter que lidar com muitos deles dentro das composições?
Karen Jonz: Acho que meu disco anterior era um trabalho mais delicado, mais ingênuo. Esse disco é menos frágil, mais consciente, mais intencional. Em Papel de Carta, eu estava tentando entender as questões. Em GUIZMO, estou procurando soluções. Acredito que é um disco sobre transformação. Quando você já processou algumas coisas e sabe o que tem que ser enfrentado. Não que esteja resolvido, né? Não tem nada resolvido.
Nos comentários das suas redes sociais, muita gente comentou que sentiu a mesma coisa. quando a música é lançada, ela é do mundo e cada um cria sua própria interpretação, né? Mas, por ser um projeto tão pessoal pra você, te impactou de alguma forma ver essas experiências sendo compartilhadas e entendidas por outras pessoas também?
Antes de lançar, eu estava me questionando, né? “Será que eu estou exagerando? Será que isso vai ser tão pessoal que ninguém vai se identificar?” Então, foi uma surpresa muito positiva ver as pessoas comentando coisas que não são emojis, sabe? Não é coraçãozinho, foguinho… São realmente comentários, um parágrafo sobre uma coisa muito pessoal. Para mim, é incrível esse tipo de retorno do público.
Muita gente chegou até a falar de Silêncio, que já tinha uma versão em inglês e foi modificada para ser lançada agora. Como foi esse processo de olhar para o passado e trazer isso com uma nova perspectiva?
Silêncio era uma música em inglês e eu gosto muito dela, dessa versão. Acho que o meu trabalho maior foi não estragar porque eu pensava: “Nossa, eu gosto tanto da música do jeito que ela é.” Tanto que foi a música que mais demorou para ser feita. Ela já tem uns 10 anos, aquela versão em inglês que eu postei cantando junto com o Lucas. Eu tentava, tentava e nunca dava certo. Daí, de repente, quando o disco já estava inteiro pronto… Já estavam fechadas as 10 músicas, tanto que eu tive que tirar uma música para entrar Silêncio no lugar.
Foi aí que eu consegui ajustá-la de um jeito em que mantive a intenção da letra e a métrica também, né? Porque, às vezes, você quer falar uma coisa, mas é uma palavra mais comprida e não encaixa ali direito. E eu achei que encaixou muito bem. Fiquei bem feliz com o resultado, tanto que a gente resolveu colocar ela no disco.
Falando em um contexto mais geral, eu acho somos resultado das nossas experiências também, né? As coisas que eu passei no Skate, vejo que várias outras pessoas passaram em outras áreas da vida delas… Eu fui dar uma aula de skate em Santos e recebi uma pergunta sobre ser uma mulher mais velha andando skate, como eu lido com isso. Porque ainda sou muito ativa e ainda aprendo muita manobra.
Eu disse que a minha régua sou eu mesma, que eu tento não me comparar com outras meninas e que acho eu sou capaz, sim. Agora, tem gente pegando esse áudio e usando para vídeos de uma menina que é do hipismo, de outra menina que é de outra área. Estão usando o áudio para um sentimento que é compartilhado, né? Mesmo que não seja exatamente da mesma maneira.
Eu disse que a minha régua sou eu mesma, que eu tento não me comparar com outras meninas e que acho eu sou capaz, sim.
Karen Jonz
Você sempre disse que skate e música são suas duas paixões da vida. Neste disco, você olha para um outro lado do skate através da música. Como você se sentiu misturando as duas coisas?
Acho que skate e música são as ferramentas mais poderosas que eu já conheci na minha vida, de transformação mesmo. Conseguir juntar as duas coisas, até viver das duas coisas, e ter o privilégio de vivenciar o skate e a música no meu dia a dia é muito rico.
A música é uma das coisas que mais cura, que mais tem poder de transformação, que mais une as pessoas, independente de qualquer coisa. Quando você está ali em um show, com outras pessoas, está todo mundo feliz de ver aquele artista e está ali para ver aquele artista. Acho que é a união perfeita, o skate e a música.
A música é uma das coisas que mais cura, que mais tem poder de transformação, que mais une as pessoas, independente de qualquer coisa. – Karen Jonz
Assim como em Papel de Carta, a Sky também participou do seu processo. A gente sempre vê nas redes sociais que ela já participa muito, né? Como que foi trazer ela para esse projeto agora? Ela engajou na hora?
Ela engajou na hora, assim como no outro! Em Papel de Carta, a melodia de BIGMUFF é dela. Aqui casa é uma simbiose, né? Na questão da música. Até porque o estúdio não é vedado, então, quem está no estúdio ouvindo música alta, a casa inteira acaba ouvindo.
Eu acabo participando de processos dos discos do Lucas, ela também está sempre cantando e ela é um bom termômetro porque se ela ouve, ela canta e fala: ‘Eu gosto muito dessa.’ Já sabemos que tem alguma coisa. Eu lembro no último disco da Fresno, ela amava Casa Assombrada antes de sair. E aí, quando saiu, realmente foi uma das que o público mais gostou, né?
No meu disco foi completamente natural, mesma coisa, ela estava sempre ouvindo. Eu estava gravando, ela estava aqui e, em algum momento, tinha esse verso que era muito agudo e ela falou: “Ah, não, anda, deixa que eu gravo!” Ela gravou direitinho e a gente acabou usando.
Os visuais das músicas no YouTube, o webclipe de Playlist do Velório, tudo traz uma mistura da sua personalidade de alguma forma, né? Qual foi o processo criativo e as referências que você trouxe para a estética deste álbum?
Eu e o Dindi [Hojah], que foi o diretor criativo, ele é um maquiador incrível, mas é um criativo incrível acima de tudo, a gente trocou desde o começo. Ele é um amigo pessoal e estava ouvindo comigo as músicas desde as primeiras demos, eu mandava para ele. Fomos construindo essas ideias, né?
Acho que o meu imaginário é muito povoado por criaturas e uma coisa lúdica de bonecos e tal. Queríamos trazer algo que tivesse bastante simbolismo, até porque a parte visual tem um pouco dessa coisa de sonho, né? De ser onírico e muito lúdico. Queríamos que o visual conversasse com as músicas.
Então, trouxemos aquelas roupas esvoaçantes, as flores surreais em tamanhos diferentes, o boneco, que depois a gente acabou replicando em miniatura, eu fiz uma casinha pequenininha, a gente tinha casinha em tamanho real. A gente quis fazer esse link todo. Acho que a gente conseguimos colocar de uma forma muito bonita essa coisa do lúdico mesmo, mas sem ser infantil, sabe? Eu acho que está maduro e bem bonito ao mesmo tempo.
Na sonoridade, você teve referências de bandas dos anos 1990, mas não quis perder o toque contemporâneo. Quais são suas principais inspirações e influências?
Essa coisa das referências, eu nunca sei o que que vem antes e o que que vem depois. Normalmente eu começo a criar e daí quando já tá meio pronto, eu consigo perceber. ‘Ah, isso aqui tem a ver com aquilo que eu gosto.’ E aí eu consigo enxergar o que me influenciou.
Então, por exemplo, eu estava lendo o livro do Jung enquanto eu estava escrevendo, eu já tinha até esquecido, e depois que eu ouço alguém perguntou: “Cara, você já leu Jung? Porque isso lembra muito”. Eu falei: “Ah, sim, eu tava lendo quando eu estava escrevendo”. Me lembrei disso.
E mas eu sou muito influenciada por bandas de mulheres, vocais femininos e não é uma coisa que é forçada, tipo: “Ai, vamos colocar representatividade, fale sobre mulheres.” Não. Eu só me interesso única e exclusivamente por bandas de mulheres com três exceções que são: My Chemical Romance, The Used e Silverchair. No skate também, tipo assim, eu caguei para o skate masculino, eu só quero saber de mulheres andando, eu não acho interessante homens.
Para mim, é meio que natural, né? Nesse disco eu acho que está mais forte a coisa da banda, de música de banda, até para eu reproduzir o disco e tocar isso ao vivo. Eu acho que vai ser muito legal, porque as músicas já tem uma sonoridade assim de show. Apesar de que, quando a gente faz, não é uma coisa que eu coloco na balança, não penso, tipo: “Eu vou fazer essa música assim porque depois vai ser fácil de reproduzir.”
A filosofia do Lucas é: “Faz a música e depois você se vira em como vai adaptar.” Mas nunca faço uma música pensando nisso. Você pode até pensar no mood. “Quero fazer uma música feliz para tocar no show.” Mas nunca pensar: “Não vou fazer ela muito difícil porque depois vai ser difícil de tocar no show.”
Acho que as bandas que me influenciaram são No Doubt, The Corrs, que era uma banda com várias mulheres cantando ao mesmo tempo. Trio Esperança, que é uma coisa bem música música popular brasileira, mas tinha muito forte a coisa das vozes e das mulheres cantando junto. Mais atual, Willow, Olivia Rodrigo, chloe moriondo. Estou sempre caçando coisa nova. Eu gosto de muitas artistas pequenas que aparecem assim… Eu gostava muito da Lola Young antes dela explodir já. Aliás, a minha música favorita dela não é Messy, é outra. [risos]
GUIZMO está disponível nos streamings.