
Estilistas jovens da Dendezeiro mostram que fazer moda no Brasil é ousadia
Pedro Batalha e Hisan Silva são prova de que jovens criativos podem não só honrar raízes do Brasil, mas mudar como se faz moda por aqui.
Não existe ousadia maior do que não desistir de quem você é”, declara Hisan Silva, que, com Pedro Batalha, forma a dupla de diretores criativos da Dendezeiro. Nascida em Salvador e comandada por dois jovens pretos e LGBT+, a marca leva o nome da árvore que origina o azeite de dendê, tradicional da culinária nordestina, e que, por si só, conta uma história de resistência.
Foi criada em 2019 a partir de um desconforto deles de não sentirem que seus corpos eram abraçados pela modelagem derivada de padrões europeus encontrada na maioria das lojas, em especial as de departamento. Com formação em produção cultural, ambos aprenderam os fundamentos técnicos de moda juntos e ao longo do processo, mas, antes disso, a criatividade já corria em suas veias.
“A gente existe por uma ousadia mesmo. A gente é preto, LGBT+ e de Salvador. Então, para o cenário da moda nacional, não era nem para a gente existir, ainda mais existir durante tanto tempo e fazendo o sucesso da forma que a gente faz. E a gente é gaiato na hora de construir os nossos temas”, completa.
É a partir dessa essência que, em todos os seus editoriais e coleções, os estilistas se debruçam em pesquisas que resgatam momentos importantes para o Brasil. Após participar da Casa de Criadores com apresentações virtuais, foi em 2022 que a marca fez sua estreia presencial na São Paulo Fashion Week (SPFW) com a coleção “Ruas do Brasil”, inspirada na diversidade urbana que distingue as vias do país.
A passarela também se tornou uma forma de manifesto na escolha do representativo casting de modelos, que, muitas vezes, é enriquecido pela presença política de artistas. As cantoras Urias, Liniker, Majur e Gaby Amarantos e a deputada Erika Hilton são alguns dos nomes que fizeram parte desses shows.
Nos últimos anos, a marca foi ganhando reconhecimento expressivo, principalmente de jovens que valorizam a moda com propósito e, ao mesmo tempo, admiram a qualidade, a beleza e as minúcias de um trabalho artesanal com simbolismos. A dupla mostra ser possível celebrar e provocar mudanças.
Eles não passam despercebidos
O mergulhar nas riquezas culturais das regiões brasileiras move as coleções mais recentes da marca, que levam o título de “Brasiliano”. Na SPFW, em outubro do ano passado, a primeira parte dessa história recebeu o nome de “Filhos do Sol” e foi inspirada na obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos.
Depois, Pedro e Hisan trouxeram um olhar sobre a região Norte, com estudo sobre o levante da Cabanagem e referências que representam a pesca e os igarapés da Amazônia. Na edição N60 da SPFW, que acontece no próximo mês de outubro, a marca terá um encerramento de ciclo.
Filho de mãe bailarina e pai pintor e músico, Pedro Batalha relata que sua relação com a moda foi se transformando. “Como tive uma criação pobre, eu não tinha acessos para entender a moda como eu a entendo hoje, como uma ferramenta de identidade que permite que eu me expresse. A Dendezeiro significa uma retomada de controle sobre mim, sobre a visão que quero mostrar para o mundo.”
Assim como Pedro, Hisan acredita que a Dendezeiro cria também uma conexão com a juventude — para além da passarela — já que a marca soube aproveitar as linguagens da internet para se estabelecer online. “As pessoas olham e se identificam com a nossa forma de traduzir os assuntos.”