Desde os 15 anos, jovem luta pela democratização do acesso à água potável

Anna Luísa criou um sistema que purifica água da chuva usando luz solar – mas esse é só o começo

Por Juliana Morales Atualizado em 29 out 2024, 18h14 - Publicado em 7 out 2023, 10h00
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“Se achassem água ali por perto, beberiam muito, sairiam cheios, arrastando os pés”. Foi lendo Vidas Secas*, obra genial de Graciliano Ramos, que Anna Luísa Beserra foi tocada pelo problema da seca pela primeira vez. Ali também ficou mais clara a importância da água. Aos 15 anos, a jovem de Salvador, Bahia, começou a desenvolver um projeto de tratamento de água não potável. Hoje, aos 26, ela oferece as tecnologias que pensou naquela época em sua startup SDW (Sustainable Development & Water For All).

Desde criança, Anna tinha uma curiosidade aguçada e uma paixão pela ciência, que só foi aumentando com o tempo. O empurrão que faltava para começar sua jornada foi um cartaz do prêmio jovem cientista do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), cujo tema era água. “Já dou o spoiler que eu não ganhei, mas foi a partir dali que tomei a iniciativa de pesquisar como eu poderia desenvolver uma tecnologia que fosse acessível, simples, eficiente e de alta durabilidade para amenizar um problema que afeta muito o semiárido nordestino”, conta durante papo com a CAPRICHO.

Segundo dados do Instituto Trata Brasil, cerca de 33 milhões de habitantes não têm acesso à água potável e mais de 93 milhões não são atendidos com coleta de esgoto. O DADASUS apontou que ocorreram quase 130 mil internações por doenças associadas à falta de saneamento em 2021.

Colocando luz no problema

Foram esse requisitos (acessibilidade, eficácia e durabilidade) que a guiaram na criação da Aqualuz, sistema que purifica água não-potável usando a luz solar. Sim, só usando a luz do sol, sem produtos químicos ou filtros descartáveis. A gente te explica!

Em uma cisterna, que é um reservatório semelhante a uma grande caixa d’água, a água da chuva é armazenada. A radiação ultravioleta, letal para vírus e bactérias, faz o tratamento dessa água. Um indicador muda de cor quando o líquido está próprio para o consumo.

Outra vantagem é que o sistema tem vida útil de até 20 anos e seus componentes podem ser reciclados, além de ser de fácil manutenção, podendo ser higienizado utilizando água e sabão.

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Uma jovem enchendo um copo d'água em um sistema de limpeza da água com a luz solar
Aqualuz/Reprodução

 

A tecnologia inovadora e sustentável, que começou a ser pensada em 2013 e passou por vários aprimoramentos, rendeu à Anna Luísa em 2019 o prêmio Jovens Campeões da Terra, principal premiação ambiental das Nações Unidas para jovens entre 18 e 30 anos. Ela foi a primeira brasileira a alcançar esse feito.

Mas não foi – nem é – fácil ser cientista no Brasil

Anna conta que foram vários anos buscando financiamento para conseguir desenvolver a tecnologia. “Se a minha escola tivesse tido mais recursos para investir em ciência, com certeza, eu teria avançado muito em menos tempo”, diz. Mas a jovem também gosta de tirar o lado bom da situação:  “por outro lado, eu desenvolvi tanto habilidades de resiliência quanto de comunicação, já que eu era uma criança muito tímida, para correr atrás dos meus objetivos”, completa. 

Ela não deixa de ressaltar a importância da sua rede de apoio nesse percurso. Apesar de não ter nenhum cientista na família, seus pais sempre acreditaram no seu potencial e fizeram com que ela persistisse no sonho. “Eu não sou de uma família rica, não tinha presente, festa ou viagem, mas eles priorizaram me dar uma educação de qualidade”, diz.

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Inspirada por Marie Curie, primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel, reconhecimento pela sua contribuição nas pesquisas sobre radioatividade, Anna aproveitou as oportunidades e sempre buscou ler e aprender sobre ciência. Isso, no entanto, não evitou que ela não fosse discriminada por ser uma mulher jovem no campo da pesquisa. “Em várias situações o preconceito estava nas entrelinhas, velado, mas sei que se eu fosse homem teria tido mais destaque, ganhado mais prêmio e mais portas teriam sido abertas”, conta.

A luta continua

Superando muitos desafios, a SDW, empresa especialista em projetos de impacto socioambiental liderada por ela, já impactou mais de 25 mil pessoas em 15 estados do Brasil. A meta para 2025, segundo Anna, é alcançar 1 milhão de pessoas.

“Meu sonho sempre foi de democratizar o acesso a água e saneamento básico. Eu pretendo me aposentar só depois que isso acontecer”, diz Anna, que ressalta sua missão, não só como empreendedora social, mas como ativista que espalha a causa. Juntos, ela acredita que essa realidade pode mudar.

 

 

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