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Justiça de SP nega aborto legal à mãe com feto sem chance de vida

Feto não tem rins nem líquido amniótico, e está com os pulmões comprometidos, mas juíza diz que sofrimento da mãe não pode se sobrepor ao direito à vida

Por Isabella Otto Atualizado em 30 out 2024, 15h17 - Publicado em 10 dez 2022, 11h28
Foto preto e branco de uma barriga de grávida
Sigbe Øllgaard / EyeEm/Getty Images

No Brasil, são três os casos em que o aborto é feito dentro da legalidade:

  • gravidez de risco à vida da gestante;
  • gravidez resultante de violência sexual;
  • anencefalia.

Nas situações acima, o aborto não precisa de uma decisão judicial para ocorrer. Contudo, na prática, a gente vê que questões burocráticas, socioculturais e religiosas atrapalham bastante esse direito da mulher.

Neste ano, por exemplo, uma garota de 11 anos foi coagida pela Justiça a seguir com uma gestação fruto de um estupro. A menina chegou a ser mantida longe da família, em um abrigo, até que finalmente teve o aborto legal concedido.

Agora, a Justiça novamente surpreende – e negativamente. A comarca de Cabreúva, do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou que uma mulher interrompesse a gestação de um feto sem chances de vida. A justificativa foi a de que o sofrimento psicológico da mãe não pode se sobrepor ao direito à vida do feto.

O caso foi revelado pela coluna da Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo, que teve acesso ao processo que corre em segredo de Justiça. Exames e laudos periciais atestam que o feto não tem rins, está com os pulmões comprometidos e não possui líquido amniótico.

“Não resta dúvida a esse perito que o caso em tela se trata de grave caso de má-formação fetal, a agenesia renal bilateral, que é incompatível com a vida extrauterina”, disse o médico a frente da perícia, que solicitou que a gravidez fosse interrompida para saúde mental e física da mãe. O pedido, contudo, foi rejeitado.

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A magistrada que julgou o caso ainda disse que não encontrou provas de que o feto não vá sofrer ou sentir o aborto, mesmo que a mãe esteja sentindo e sofrendo pela gravidez, que não deixa de ser de risco.

Nas redes sociais, o caso repercutiu:

A notícia veio à tona na mesma semana em que o Estatuto do Nascituro foi votado pela primeira vez na Câmara dos Deputados – e barrado neste primeiro momento.

Idealizado por membros da bancada conservadora, ele diz que “o feto, antes mesmo de nascer, tem direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento e à integridade física”. A proposta, contudo, vai contra a constituição federal, que garante o estupro legal nos três casos citados acima.

Se mesmo com uma lei que defende o direito reprodutivo das mulheres, muitas já sofrem na mão da Justiça – como é o caso do processo que corre em Cabreúva -, imagina se um estatuto antiprogressista, que vai justamente na contra-mão do aborto legal, for aprovado?!

Crescer mulher em uma sociedade patriarcal é não ter mesmo um dia de paz.

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