Morte brutal da jovem Carol Campêlo escancara invisibilidade do lesbocídio

Jovem lésbica de apenas 21 anos foi morta e torturada no Maranhão, em um crime de ódio que precisa ser reconhecido como tal, afirma especialista

Por NAIARA ALBUQUERQUE Atualizado em 29 out 2024, 18h00 - Publicado em 26 dez 2023, 11h32

A morte da jovem Ana Caroline Sousa Campêlo, de apenas 21 anos, na semana passada, provocou uma onda de indignação de manifestantes pró-LGBT+. Caroline era lésbica, vivia em Maranhãozinho, município localizado a 232 quilômetros de São Luís, a capital do Maranhão, e foi vítima de um crime violento do qual segue sem resolução até o momento.

A jovem desapareceu após voltar ao trabalho e teve a pele do rosto, couro cabeludo, olhos e orelhas arrancados – sinais claros de tortura. Desde então, entidades e indivíduos que defendem os direitos LGBT+ se uniram para protestar pelo caso e a necessidade de identificá-lo como lesbocídio – quando o crime é motivado pelo ódio a pessoas lésbicas.

Cida Gonçalves, chefe do Ministério da Mulher, também reforçou a ideia de que Ana Caroline foi vítima de lesbofobia.

“Recebi com dor e revolta a notícia do crime bárbaro que interrompeu a vida de Ana Caroline Sousa Campêlo, 21 anos, no último domingo, em Maranhãozinho, no Maranhão, onde ela ia morar com a namorada. Um crime de ódio contra as mulheres: lesbofobia”, escreveu a ministra, nas redes sociais.

Em 2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, por 8 votos a 3, equiparar a homofobia e a transfobia ao crime de racismo. Com a decisão, o Brasil se tornou, naquele ano, o 43º país a punir crimes como estes – só que pela via do judiciário e não do legislativo. Ou seja, apesar da decisão do supremo, ainda não há uma lei no país que proteja pessoas LGBT+.

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A gente precisa dar o nome correto para que a gente consiga, inclusive, mapear e ter dados para cobrar por políticas públicas específicas para essa população.

Luanda Pires, advogada e consultora da OAB/SP

Para você, leitor da CAPRICHO, entender exatamente o que é este tipo de crime e a importância de o sistema de segurança pública reconhecê-lo como tal,  conversamos com Luanda Pires, advogada, consultora da Comissão da Mulher Advogada da OAB/SP e cofundadora e atual Presidenta da Associação Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Travestis (ABMLBTI).

Jovem usa uniforme vermelho
Jovem de apenas 21 anos foi torturada e morta no interior do Maranhão Arquivo pessoal/Reprodução
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“A gente não tem dúvida, todos os elementos mostram que foi um crime de ódio em razão da orientação sexual da Ana Caroline. Quando falamos de homicídio, eles não costumam ter esse fator de tortura”, disse a especialista para a CH.

A especialista também destaca a importância de chamar um crime pelo que, de fato, ele é. No caso de Ana Caroline, de lesbocídio.

“Existe um processo do Estado não querer reconhecer esses crimes. A gente precisa dar o nome correto para que a gente consiga, inclusive, mapear e ter dados para cobrar por políticas públicas específicas para essa população”, afirma Luanda. Um exemplo do que ela aponta é o crime de feminicídio que, desde 2015, é um agravante do crime de homicídio.

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O fato de o termo estar inserido no Código Penal obriga o Judiciário e o sistema de Segurança Pública a coletar dados sobre morte de mulheres – e isso é extremamente útil para combatê-las do ponto de vista de políticas públicas. Funciona assim: quando mais informação a gente tem sobre os casos, fica mais fácil criar mecanismos para combatê-los.

“Nós estamos falando de um grupo populacional que sofre violência. A gente está falando de uma menina que foi assassinada, que teve os dois olhos arrancados, a pele do rosto arrancada. Isso não foi simplesmente um homicídio”, acrescentou.

Segundo Pires, pensar em políticas públicas para mulheres LBTs vai requerer um esforço da Secretaria Nacional dos Direitos LGBT+, que existe dentro do Ministério dos Direitos Humanos, assim como do Ministério das Mulheres e com o Ministério de Segurança Pública.

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O Ministério das Mulheres, em outubro deste ano, lançou o projeto “Brasil sem Misoginia”, com a intenção de mobilizar toda a sociedade para o enfrentamento à misoginia – aquele ódio e todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres. Entre as ações, está uma parceria com a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) para conteúdos nas redes sociais que geram desinformação e ódio às mulheres – sejam cis, trans, heterossexuais ou lésbicas.

Mas pouco se fala sobre a implementação, de fato, da decisão do STF lá de 2018, viu? A efetividade na prática dela – ou seja, regulamentar e criar processos para que a lei seja aplicada também nesses casos – esbarra na dificuldade do acesso à informação e também no preconceito. Quase cinco anos depois, ainda não há dados oficiais sobre os casos, por exemplo.
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